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Desistência de advogada expõe abismo entre CPI da Petrobras e Lava Jato

Protagonista nas delações, Beatriz Catta Preta abandonou casos após convocação de CPI

Beatriz Catta Preta ao lado de Paulo Roberto Costa em depoimento do delator à CPI da Petrobras, em setembro de 2014.
Beatriz Catta Preta ao lado de Paulo Roberto Costa em depoimento do delator à CPI da Petrobras, em setembro de 2014.Fabio Rodrigues-Pozzebom (Agência Brasil)

A Operação Lava Jato, que segue implacável devassando, agora, o setor elétrico, foi alicerçada sobre quatro bases. O tripé principal é composto pela Justiça Federal no Paraná, e a figura central é o juiz Sérgio Moro, o Ministério Público Federal, representado por uma força-tarefa de procuradores, e a Polícia Federal, com agentes atuando por todo o país. Quarto sustentáculo das investigações, as delações (ou colaborações) premiadas permitiram aos agentes da lei chegar a fatos e provas e indícios que não encontrariam de outra forma, mas esse procedimento sofreu um abalo cujas repercussões ainda estão por se ver por completo após o dramático anúncio de aposentadoria da advogada Beatriz Catta Preta.

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Especialista em delações premiadas, Catta Preta se destacou na Lava Jato ao fechar nove dos 19 acordos (há outros quatro por selar), entre eles a colaboração original, do ex-diretor da Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. A criminalista ainda atuava em três casos até a semana passada, quando surpreendeu o mundo jurídico ao formalizar seu desligamento da defesa de delatores como o empresário Júlio Camargo. Dias depois, Catta Petra revelaria em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, o motivo de sua decisão de abandonar a advocacia: sentiu-se ameaçada pelo que chamou de "jogo político" e pelas declarações de membros da CPI da Petrobras.

A decisão da advogada foi tomada após os integrantes da CPI aprovarem uma convocação para que ela explicasse a origem dos honorários que recebe dos clientes. No meio político, o questionamento à criminalista foi encarado como consequência da denúncia de Júlio Camargo, de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), teria lhe cobrado 5 milhões de dólares em propina. Após a entrevista de Catta Preta, concedida na noite de quinta-feira, Cunha escreveu em seu perfil no Twitter que não interfere na CPI e "desconhecia a sua convocação, que se deu com certeza antes de o delator mudar a sua versão" — em um primeiro depoimento, Camargo não havia mencionado Cunha na delação; segundo Catta Preta, por receio de retaliações.

Não satisfeito, na manhã deste sábado o presidente da Câmara anunciou que a advogada será interpelada judicialmente para esclarecer que ameaças teria sofrido. De novo por meio das redes sociais, Cunha disse que determinou à Procuradoria Parlamentar da Câmara "que ingresse com interpelação judicial semana que vem, independente da CPI". Segundo ele, "a acusação atinge a CPI como um todo e a Câmara como um todo, devendo ela esclarecer ou ser responsabilizada por isso". 

O presidente da CPI da Petrobras, Hugo Motta (PMDB), também defendeu o trabalho da comissão na sexta-feira e, assim como Cunha, pôs em questão as explicações da advogada sobre o abandono do caso. “O que é mais estranho é uma advogada criminalista alegar que está sendo ameaçada e não trazer nenhum fato concreto [para apresentar]. E vir a um jornal de rede nacional, querer usar a vitimização para esconder, talvez, alguns atos ilícitos que ela tenha cometido no âmbito do processo da Lava Jato”, disse Motta.

Como vitrine e caixa de amplificação da Lava Jato, a CPI da Petrobras expôs ao país, por meio dos depoimentos dos delatores de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, detalhes do esquema que, como aponta a última etapa da investigação, transcende a Petrobras. Mas o questionamento do trabalho de Catta Preta apenas engrossa a lista de argumentos dos críticos que dizem que há um conflito de interesses incontornável na comissão. Formada por deputados aliados de investigados, e comandada por nomes próximos a Eduardo Cunha, a CPI tem feito convocatórias sob medida para proteger alguns dos implicados ou aumentar a pressão sobre delatores.

Legislativo versus Judiciário

A batalha entre Legislativo e Judiciário que deve se instalar no STF —prestes a começar a julgar os 49 políticos denunciados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot— foi antecipada pela convocação de Catta Preta à CPI. Isso levou o presidente do STF, Ricardo Lewandoswki, a acatar pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de isentar a criminalista de prestar "quaisquer esclarecimentos" à comissão parlamentar "a respeito de questões relacionadas a fatos que tenha tido conhecimento em decorrência do regular exercício profissional". Na decisão, o ministro determinou que "seja preservada a confidencialidade que rege a relação entre cliente e advogado, inclusive no que toca à origem dos honorários advocatícios percebidos, notadamente para resguardar o sigilo profissional dos advogados e o direito de defesa".

Independentemente de quem está com a razão, o fato é que uma ação da CPI da Petrobras entrou em choque com uma advogada central e a pergunta agora é como o desenrolar de seu caso pode influenciar a conduta de outros advogados que trabalham na Lava Jato, que já recuperou 870 milhões de reais aos cofres públicos e, em pouco mais de um ano, condenou 30 de 125 acusados criminalmente.

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