_
_
_
_

PaguFunk, do ‘pancadão’ feminista às ameaças de morte

Elas usam o funk para falar em feminismo, mas letra polêmica gera represálias “O medo da morte é uma companhia constante”, diz MC Lidi

MC Lidi, em uma apresentação no Rio.
MC Lidi, em uma apresentação no Rio. Fernando Correira (Divulgação)

Elas usam o funk como ferramenta para falar sobre feminismo na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, com composições que abordam desde o racismo e a luta pela igualdade de direitos à violência contra as mulheres e a homofobia. Mas foi com uma letra polêmica – em que falam em "cortar a pica" de quem "chega na favela com papo de machista" – que as meninas do PaguFunk sentiram o que é a fúria da internet. O proibidão feminista (que foi pensado como uma paródia de outro funk) acabou viralizando no YouTube, tornando o grupo conhecido na web. O preço da fama foi alto: ameaças de mortes e de estupro, agressões físicas na rua e xingamentos frequentes durante os shows. 

“O medo da morte é uma companhia constante”, conta Lidiane Alves de Oliveira, 23 anos, uma das fundadoras do grupo, criado em meados de 2013 e que hoje se define como uma rede colaborativa.

Mais informações
Valesca Popozuda: “Sou feminista desde que nasci”
MC Carol: “Meu namorado não é otário. Homem tem que dividir tarefa”
Emicida: “Sou um soldado do rap”
Passinho do Romano: um passinho, muitas caretas e seis milhões de cliques
Ferrez: “Até hoje eu não sei o que é pior: a igreja ou a droga”
Letras contra a homofobia e os preconceitos

Nascida em Belford Roxo e criada em Duque de Caxias, a MC Lidi, como é conhecida, mora na comunidade Chapéu Mangueira, e teve de passar um mês fora do Estado após ver seu endereço divulgado em blogs que pregavam uma resposta violenta às autoras da música A Missão vai ser cumprida, que obteve mais de 300 mil visualizações em poucos dias. O funk também não foi bem recebido entre muitas mulheres, que viram na letra sinais de misandria (ódio aos homens) e a consideraram um desserviço à luta feminina pela igualdade de direitos. "A gente tem raiva do machismo, da opressão que a mulher passa, mas não dos homens. Nós temos vários companheiros de luta", defende-se.

A canção, na realidade, havia sido inspirada nas Justiceiras de Capivari, um grupo de mulheres que, na ausência de policiamento e de uma resposta do Governo do Estado, se armou de facões para defender seus filhos de agressões sexuais, após uma série de estupros e assassinatos de meninas na comunidade da Baixada Fluminense, entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Em 2005, a fundadora do movimento, Ildacilde do Padro, ou Dona Ilda, foi assassinada a tiros na porta de sua casa.

Não é à toa que a violência está tão presente nas letras do PaguFunk. A própria Lidiane decidiu que faria do feminismo uma bandeira após o estupro e assassinato de uma amiga, ainda na infância. "Eu saio pra fazer militância e quando eu volto pra casa, volto pra uma área em conflito, onde falta todo tipo de políticas públicas", diz.

MC Lidi, do PaguFunk.
MC Lidi, do PaguFunk.Divulgação

A estudante de moda também já foi vítima de agressão. Quando deixava um show com a companheira Lorena Braga, que também integra o PaguFunk e tem 23 anos, se viu cercada por um grupo de rapazes, que as agrediram com chutes e socos. As duas conseguiram fugir da tentativa de linchamento porque um táxi passou na hora pelo local.

Após a repercussão do vídeo (tirado do ar, mas ainda facilmente localizado na internet), o PaguFunk divulgou uma carta aberta pedindo o fim das ameaças. "Lutando ou não lutando, existe um fuzil apontado pra mim todos os dias. Então eu decidi lutar. Eu decidi buscar no feminismo formas de mudar o cotidiano daquele local. Esse medo de morrer é uma companhia, mas também a alegria de cantar é uma alegria muito maior que o medo", diz.

Apesar da polêmica, as demais rimas do PaguFunk são, em geral, mais leves. É o caso de Se Empodera ("essas mulheres desconstroem o sexismo em suas casas /  E, na rua, agitam a Baixada") e Revolucionando ("a gente se amarra no jeito dessa menina / sempre acompanhada da luta feminista"). Em comum, tem a batida do funk, que é a principal ferramenta para aproximar o discurso feminista da realidade das meninas de comunidades pobres. "É a forma de falar na nossa linguagem, a linguagem da periferia, com as vizinhas sobre o direito das mulheres", explica a MC.

Diferentemente do rap e do hip hop, movimentos intrinsecamente ligados ao ativismo social, o funk cresce como opção para compor hinos de luta por um motivo bem simples: além de ser um dos ritmos mais populares do Brasil, o refrão chiclete ajuda a espalhar mensagens. Se depender delas, a revolução será dançada.

Funk como ativismo

O pancadão politizado não é uma exclusividade do PaguFunk. Outros grupos musicais e MCs usam o ritmo para popularizar mensagens impregnadas de cunho político que vão além da defesa da liberdade sexual e da diversão. É o caso do gaúcho Putinhas Aborteiras, um grupo anarcofunks, ou seja, funkeiras, anarquistas e underground. São autoras de rimas provocativas como "Ei, Papa, levanta o teu vestido / quem sabe aí embaixo não está o Amarildo", que também se tornaram alvo de ameaças de estupro e morte após uma performance viralizar na internet.

De volta ao Rio, outras funkeiras erguem a bandeira contra a violência doméstica e às injustiças sociais. É o caso da MC Nem, autora de letras como "a mulher tem que se dar valor pra poder ser valorizada / de que que adianta ter pose na rua e dentro de casa ser esculachada?", e da MC Dandara, que canta "fazer média pro pobre na televisão, tu pode achar maneiro, doutor, mas eu não acho não!", da poderosa Alcatraz.

Já a MC Xuxú usa o funk para levantar a bandeira, com bom humor, contra a homofobia e o preconceito com as travestis. "Com tanta coisa pra se preocupar,com tanta vida perdida / Tem gente perdendo o tempo querendo cuidar e mandar na minha vida."

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_