Mandato maior para o Supremo é muito mais que uma derrota do PT
Medida aprovada amplia prazo para aposentadoria compulsória em tribunais superiores Para especialistas, ela "engessa" o judiciário e barra "ideias novas e oxigenação" nas cortes
O Governo de Dilma Rousseff perderá a oportunidade de nomear cinco ministros para o Supremo Tribunal Federal, segundo decisão tomada no Congresso nesta semana. A aprovação da PEC da Bengala na Câmara dos Deputados foi vista como uma derrota para a petista, mas também é considerada negativa para quem faz carreira no Judiciário e pode ser prejudicial para toda a sociedade, defendem especialistas. A medida, que começou a tramitar no Senado e não precisa passar pela sanção presidencial, amplia de 70 para 75 anos a idade limite para a aposentadoria compulsória dos magistrados de tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, cinco ministros do STF que vão completar 70 anos até 2018, último ano do mandato de Dilma, deverão ficar mais cinco anos no cargo. Assim, a presidenta não poderá mais indicar alguém para substituí-los com a nova regra vigente. São eles Celso de Mello, Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. Agora, além de Luiz Fachin, apontado para substituir Joaquim Barbosa, a presidenta só indicará novos ministros caso algum deles morra, seja afastado ou deixe voluntariamente a corte antes da data limite.
A decisão da Câmara foi vista como uma forma de impedir que o Governo pudesse nomear mais da metade da corte, que tem 11 integrantes - o ministro Gilmar Mendes chegou a falar que o Supremo não pode se tornar uma "corte bolivariana", fazendo uma analogia entre a situação do Brasil e da Venezuela. O presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), articulou oposição e partidos da base para garantir a aprovação da PEC. No entanto, a indicação de ministros não garante um parecer favorável no STF: Joaquim Barbosa, indicado por Lula, e Luiz Fux, nomeado por Dilma, ficaram conhecidos pela dureza na aplicação das penas aos condenados do mensalão.
Nova sabatina para nomes já no STF provoca controvérsia
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou durante a promulgação da emenda constitucional que os ministros de tribunais superiores e do Supremo que que desejarem continuar no cargo até os 75 anos terão que se submeter a nova sabatina, segundo texto da Agência do Senado.
A interpretação do peemedebista provocou polêmica entre os magistrados e , depois, Calheiros lançou nota dizendo não ter antecipado "nenhum juízo de valor sobre o assunto". As três principais entidades de juízes do Brasil se disseram contra a regra de nova sabatina porque ela feriria "o princípio de independência entre os poderes".
“Foi uma decisão sábia da Câmara dos Deputados porque ela aproveita a experiência de magistrados e servidores”, disse o ministro Celso de Melo ao jornal Valor Econômico. Os colegas de corte Mendes e Marco Aurélio Mello também elogiaram a aprovação da medida. O ministro aposentado do Supremo Ayres Britto afirma que a proposta aprovada tem ao menos dois inconvenientes. “Ela compacta e dificulta a mobilidade dos juízes em direção aos tribunais superiores”, diz. E por outro lado, “aqui e ali, ela assegura uma sobrevida de cinco anos a magistrados que não são vocacionados”. O ex-magistrado acredita que parte da "modernidade republicana" reside na renovação dos quadros dirigentes: “Eu não prorrogaria o tempo de investidura de nenhum ministro”. Britto ficou na corte por nove anos e meio, e diz ter achado esse tempo “suficiente”.
A PEC tem nome e motivo, não é pensada para daqui a 20 ou 30 anos, é pensada para agora, para evitar que o PT indique mais ministros”
O coordenador do projeto Supremo em Números e professor de Direito da Faculdade Getúlio Vargas do Rio, Ivar Hartmann, acredita que a PEC é “ruim para a sociedade como um todo porque é essencialmente uma mudança nas regras do jogo com finalidades escusas e mesquinhas”. Segundo o professor, muitas vezes um ministro do Supremo impacta mais a vida dos brasileiros do que um senador. “Basta um Joaquim Barbosa na condução do julgamento do mensalão, ou basta um Gilmar Mendes para barrar a proibição da doação privada de campanha”, afirma. Ele acredita que “o brasileiro passou a prestar mais atenção ao Supremo depois do mensalão”, e que ao contrário do que acontecia antes, hoje muitos sabem inclusive "o nome de alguns ministros da corte".
Para Hartmann a aprovação da PEC explicitou o quão suscetível é o poder político às vontades individuais do presidente da Câmara, que conduziu a votação e trabalhou nos bastidores para que a medida fosse aprovada. “A PEC tem nome e motivo, não é pensada para daqui a 20 ou 30 anos, é pensada para agora, para evitar que o PT indique mais ministros”, diz. De acordo com ele, a PEC mascara o fato de que o sistema atual não é bom e precisa ser repensado. “O sistema de mandato, no qual cada ministro fica determinado tempo no cargo precisa ser avaliado”, afirma. Portugal e Alemanha estão entre os países nos quais os ministros de cortes supremas ocupam a função por mandato, enquanto nos Estados Unidos o mandato é vitalício.
“O ministro Marco Aurélio ilustra muito bem isso [falta de oxigenação da corte]”, explica Hartmann. “Ele é extremamente avesso a mudanças. Quando ele é comparado com o Luís Barroso, do ponto de vista da discussão do papel do tribunal, fica clara a importância de renovar o Supremo”. O engessamento da composição do STF, para ele, “breca a solução de problemas”. Mello está no STF por indicação do ex-presidente José Sarney desde 1989. Com a nova PEC, ele, que hoje tem 69 anos, poderá ficar na corte até 2020, completando mais de três décadas no Supremo. Marco Aurélio é o segundo mais antigo do tribunal: indicado por Fernando Collor de Melo em 1990, poderá ficar no cargo até 2021.
A PEC impede a modernização e a oxigenação do Judiciário"
Para o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, João Ricardo Costa, a PEC “é péssima”. Segundo ele, a medida “impede a modernização e a oxigenação do Judiciário, que se renova pelo tempo de serviço, pela idade, já que não tem eleições”, em contraposição aos que apoiam a medida e dizem que, com ou sem aposentadoria maior, os ministros não são alheios à pressão da sociedade e acabam reagindo a ela. De acordo com ele, a instituição precisa ser renovada e acompanhar a vontade da sociedade: “A tendência é de que as pessoas vão envelhecendo no cargo e se tornando desatualizadas com relação aos fenômenos sociais. Não queremos aceitar que um ministro fique 30, 35 no Supremo. A corte precisa ser oxigenada”.
André Tobias Granja, vice-presidente da Associação de Juízes Federais da 5a região concorda com Costa: “A ideia de mudança na composição das cortes superiores é voltada a uma abertura para novos juristas com novas ideias, gente que convive na base do poder Judiciário, que conhece as necessidades da população”. Para ele, é importante que ministros que ocupam o cargo por mais de cinco anos “tenham consciência da importância de ouvir outros setores da sociedade, para que novas ideias cheguem ao Supremo”.
Por quanto tempo juízes de suprema corte trabalham em outros países?
- Afeganistão: mandato de 10 anos não renovável.
- África do Sul: mandato de 12 anos não renovável com aposentadoria compulsória aos 70 anos.
- Alemanha: mandato de 12 anos com aposentadoria compulsória aos 68
anos.
- Dinamarca: aposentadoria compulsória aos 70.
- Estados Unidos: indicação vitalícia.
- França: mandato de 9 anos, não renovável.
- Índia: aposentadoria compulsória aos 65 anos.
- Uruguai: mandato de 10 anos.
- Venezuela: mandato de 12 anos.
(Fonte: CIA World Factbook)
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