Empresários, em versão azul e branco, afagam líder anti-Dilma
Críticas ao Governo abundam em evento sem espaço para debate sobre corrupção privada
O telefone do quarto soa às 6h30 numa chamada de despertar não solicitada. É mais um cuidado da equipe de João Doria Junior, organizador do tradicional fórum de empresários que acontece todos os anos no sul da Bahia. Doria está também na TV do quarto: é ligá-la e vê-lo em seu programa de entrevistas da Band. A ideia parece ser que todos se concentrem no evento onde o “PIB político e privado”, como ele gosta de repetir sempre, discute o Brasil devidamente paramentado nas cores escolhidas pelo anfitrião.
Neste 2015, todos, incluindo os jornalistas convidados pelo evento com despesas pagas a viajar à Ilha de Comandatuba, devem vestir azul (a parte de cima) e branco, no jantar principal de sábado. O look navy também foi obrigatório aos homens na maratona de debates do domingo, que incluiu quatro ex-presidentes latino-americanos — entre eles Fernando Henrique Cardoso —, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), e o ministro do Turismo, Henrique Alves (PMDB). Não havia petistas, como em anos anteriores. Doria, exaltado, fez questão de citar o nome de parlamentares do partido convidados: “Fujões! Não vieram discutir o Brasil!” Entre os nomes destacados por ele (15 deputados e 13 senadores petistas), estavam os senadores Gleisi Hoffman (PT-PR) e Humberto Costa (PT-PE), ambos citados na lista da Lava Jato. A única mulher a falar, além da ex-miss Brasil apresentadora, foi Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna.
O clímax foi preparado para o começo da noite de domingo, quando a Record News, canal a cabo da rede, transmitiu o evento. Doria pediu à plateia, que incluía Bruna Lombardi e apresentadora Ana Maria Braga, que erguessem as mãos aqueles que estivessem insatisfeitos. Foi prontamente atendido. “É parcial, mas em qualquer lugar que eu perguntasse, a maioria seria a favor do impeachment. Está nas pesquisas”, disse, depois.
Os braços ao alto compuseram o cenário, momentos depois, para o arremate de Rogerio Chequer, do grupo anti-Dilma Vem Pra Rua. Chequer, um dos líderes que convocou os protestos contra a presidenta em março e abril, e, de certa maneira, um sucessor extremamente bem sucedido de Doria, criador, na década passada, do movimento contra o Governo Lula “Cansei”, que não decolou nas ruas.
O líder do Vem Pra Rua discursou contra o Governo e cobrou da mesa, coalhada de autoridades, medidas concretas contra o Planalto. Falou sem travas de tempo. Foi bastante aplaudido.
“Essa pauta está sob total controle de Eduardo Cunha, principalmente o encaminhamento dos pedidos de impeachment. Então essa demanda das ruas é algo que não depende de outras instâncias, de outros Poderes”, lançou Chequer. "Cabe ao presidente Eduardo Cunha instalar essa CPI [do BNDES]", complementou mais adiante. “É o povo que está pedindo. Tenho certeza que, se for feito mais um levantamento de mãos aqui, nós não teremos uma mão baixa.”
Doria ia encerrar a transmissão, mas Cunha pediu uma réplica, concedida. Explicou que, pelo regimento, a CPI do BNDES entrará numa fila na Câmara. “Não depende do presidente da Câmara”, explicou. Cunha já tinha repetido várias vezes durante a tarde que iria analisar todos os pedidos que chegassem a suas mãos, mas disse que, a bola da vez — as pedaladas, o apelido das manobras fiscais do Governo — não pareciam fortes o suficiente para um pedido de afastamento. Foi lido como “excesso de cautela” que o cacifa ainda mais com o Planalto.
O "horário nobre" concedido ao empresário Chequer, com mais destaque que senadores e governadores, mereceu comentário dos políticos presentes. Os mais ferinos não perdoaram: avaliaram que o líder do Vem Pra Rua saiu perdendo no contraste com os nomes experimentados da mesa.
Corrupção pública sem o setor privado
Na plateia, executivos de tecnologia (Microsoft), agronegócio (Bunge), cosméticos (Natura), e representantes da Confederação Brasileira de Futebol. Os comentários ali eram que o ano estava mais “fraco” em termos de PIB, talvez pela retração econômica.
Brilhavam pela ausência as grandes construtoras envolvidas no escândalo da Lava Jato — no ano passado, a Braskem, controlada pela Odebrecht, foi homenageada. Só quem estava eram representantes da Queiroz Galvão.
As críticas à corrupção governamental foram fartas, mas não houve discussões públicas sobre o impacto das investigações na maneira como o setor privado fecha contratos com o Estado — faceta central tanto no escândalo da Petrobras como no trensalão (segundo o 'Financial Times', multinacionais, com o temor de aparecem em investigações, estão discutindo o tema para melhorar práticas anticorrupção).
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