Justiça ignora vídeo, e arquiva processo de PM que matou camelô
Promotor que pediu fim do caso disse que arquivaria processo contra PMs que matassem manifestantes durante protestos contra aumento das passagens em 2013
Vídeos e fotos com imagens do disparo contra o camelô Carlos Augusto Muniz não bastaram para que o soldado da Polícia Militar Henrique Dias Bueno de Araújo, 31, fosse julgado pela morte, à luz do dia, em 17 de setembro de 2014. O caso de violência policial e assassinato ocorreu na movimentada rua 12 de Outubro, no bairro da Lapa, em São Paulo. O processo foi arquivado pela juíza Eliana Cassales Tosi de Melo a pedido do Ministério Público Estadual de São Paulo. O promotor que pediu o encerramento do caso, Rogério Zagallo, ficou famoso por afirmar na rede social Facebook em 2013 que arquivaria processos contra policiais que matassem manifestantes contrários ao aumento das passagens de ônibus.
Muniz foi baleado por Araújo durante uma ação violenta da Polícia para reprimir o comércio irregular na região da Lapa. Durante a prisão de um vendedor ambulante, o camelô e outras pessoas que estavam no local tentavam dissuadir Araújo, que estava com uma arma na mão, e outros dois policiais que seguravam o vendedor no chão, a tirá-lo daquela posição. Na confusão, o policial apontou o spray de pimenta para os que o rodeavam. Muniz então tentou tirar o spray da sua mão, e terminou levando um tiro. A sua morte foi registrada em vídeo por dezenas de pessoas que estavam no local, e provocou protestos nas ruas e indignação nas redes sociais, uma vez que o policial alegou primeiramente que o tiro havia sido acidental, e depois que ele atirou porque Muniz teria tentado tirar sua arma. As imagens desmentiram a versão da polícia.
A decisão de arquivar o processo reacende o debate sobre o uso de vídeos com abusos e violência de agentes do Estado como prova em processos jurídicos. Nos Estados Unidos, o policial branco Michael Slager baleou e matou Walter Scott, um homem negro, no início de abril. A versão inicial da ocorrência apresentada por Slager dava conta que Scott tentou agredi-lo. Foi desmentida dias depois, quando um vídeo gravado em celular mostrou que a vítima estava correndo desarmada quando foi alvejada. O policial foi imediatamente preso, e pode ser condenado à cadeira elétrica na Carolina do Norte.
O caso de violência policial contra Muniz é apenas mais um homicídio cometido por PMs registrado em vídeo que não resulta em condenação dos assassinos. Em novembro de 2012 um cinegrafista amador registrou imagens do servente Paulo Batista do Nascimento sendo rendido por policiais no bairro do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Em seguida o vídeo mostra policiais disparando contra ele antes que ele fosse colocado na viatura. Ao portal G1, o promotor Felipe Zilberman, que cuida do caso, afirmou que “foram ignoradas diversas provas”, como “o vídeo que exibe o policial Marcelo efetuando o disparo”. Além disso, o corpo de Nascimento chegou ao hospital apenas uma hora depois, com cinco ferimentos de bala. Em agosto de 2014 os quatro PMs foram absolvidos.
O caso de violência policial contra Muniz é apenas mais um homicídio cometido por PMs registrado em vídeo que não resulta em condenação dos assassinos.
Mas existem as exceções, ainda que póstumas. Em fevereiro deste ano PMs mataram um jovem e feriram outro na favela da Palmerinha, zona norte do Rio de Janeiro. A versão oficial da corporação era de que quatro criminosos atiraram contra um blindado da polícia, que revidou. Uma filmagem feita pelo celular do jovem morto, porém, contradiz essa tese e mostra que os policiais dispararam ao menos dez vezes contra um grupo de quatro amigos desarmados sem nenhuma razão.
Após a divulgação do vídeo, o comandante da Polícia Militar do Rio, coronel Alberto Pinheiro Neto, determinou que os nove PMs envolvidos na ocorrência fossem investigados internamente pela corregedoria. A suspeita é que os policiais tenham criado uma falsa cena de crime ao apresentar duas armas que diziam ser das vítimas.
A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com o promotor Zagallo para questioná-lo sobre os motivos do pedido de arquivamento para este caso de violência policial em São Paulo.
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