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Queda do real inquieta a economia argentina

Exportações da Argentina ao principal parceiro comercial perdem competitividade

Alejandro Rebossio
Contêineres de mercadorias num porto.
Contêineres de mercadorias num porto.EFE

Os problemas da economia brasileira estão afetando a moeda, que se debilita frente às principais divisas do mundo. Um dos países prejudicados por essa situação é Argentina, que tem no Brasil seu principal parceiro comercial. O real perdeu 27% do seu valor em relação ao peso argentino desde setembro. Essa situação dificulta as exportações argentinas, já que torna seus produtos menos competitivos.

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“Há uma preocupação generalizada na Argentina pela desvalorização do real, mas não estamos num estado de histeria como em outras épocas”, explica Dante Sica. Este consultor da empresa Abeceb se refere à depreciação da moeda brasileira em 1999, quando o peso estava atrelado ao dólar havia oito anos e seu fortalecimento prejudicava a competitividade das empresas argentinas. Por um lado, “a fragilidade do real castigaria as exportações de produtos argentinos”, que vão ao Brasil numa proporção de 21%, “porque se encarecem frente aos competidores brasileiros”, segundo Sica. Por outro lado, não se prevê uma enxurrada de produtos baratos vindos da maior economia do Mercosul (união alfandegária que também integram Paraguai, Uruguai e Venezuela) porque o Governo de Cristina Kirchner aplica barreiras protecionistas. Em 2014, 22% das importações argentinas provinham do Brasil, menos que os 26% de 2013, uma queda que o economista-chefe da União Industrial Argentina (UIA), Diego Coatz, atribui à valorização do real até então.

Os problemas da taxa de câmbio do Brasil obedecem ao fortalecimento do dólar e também refletem a instabilidade política e econômica, mas é o estancamento do PIB brasileiro o aspecto que mais afeta a Argentina, conforme Seca e Coatz. A economia brasileira cresceu muito pouco em 2014 e o PIB poderia cair 0,6% em 2015, segundo as previsões recolhidas pelo FocusEconomics. A mesma fonte aponta para uma queda do PIB argentino de 0,7% em 2014 e de 0,3% em 2015. “A isso se acrescenta o fato de que a política cambial da Argentina está deslocada do contexto internacional; a desvalorização está sendo evitada porque interessa reduzir a inflação, mas isso faz aumentar a brecha de competitividade e dará mais trabalho para o Governo que será eleito no próximo mês de dezembro”, acrescenta o analista da Abeceb.

75% das vendas da Argentina ao Brasil são manufaturas

Coatz, da organização patronal da indústria argentina, afirma que o Brasil tem reservas cambiais suficientes para neutralizar a depreciação do real, mas deixa a moeda cair por uma política deliberada de “exportar a crise, de vender mais aos vizinhos, como fez a Alemanha na União Europeia”. O economista-chefe da UIA adverte que a disparidade entre o real e o peso atravessa seu pior momento desde 1999, embora longe daquela situação que derivou na desvalorização argentina de 2002, em meio a uma feroz crise econômica, social e política.

“Se o Brasil cair, nós teremos um problema direto porque 60% do que vendemos ao exterior na indústria não alimentícia vai a esse mercado”, reconheceu recentemente Axel Kicillof. Mas o ministro da Economia argentino prefere compensar esse efeito com medidas de estímulo à demanda interna. “Se o Brasil desvalorizar violentamente, a Argentina tem de evitar a instabilidade e pode fazê-lo”.

Setenta e cinco por cento das exportações argentinas ao mercado brasileiro são manufaturas não agrícolas, a maioria automóveis e autopeças, mas também produtos químicos, plásticos, maquinaria e aço. Mas o presidente da Câmara de Exportadores Argentinos, Carlos Castelli, que representa as pequenas e médias empresas, afirma que a queda do real não as afeta: “As indústrias automobilísticas da Argentina e do Brasil são complementares: cada uma se especializou em fazer determinados componentes. Ou seja, não há problema causado pela desvalorização, mas pela menor demanda do Brasil. E os setores de calçados, artigos de couro e têxteis, quase não exportam ao Brasil; o que vem chega com quotas”.

Castelli é dono das indústrias e lojas de acessórios para mulher Todo Moda e Isadora. Seu grupo tem 250 pontos de venda na Argentina e 380 no México, Chile e Peru, mas as exportações a esses países só representam 2% do seu faturamento argentino. “Não exportamos mais porque não podemos”, admite Castelli, férreo defensor das barreiras contra as importações que o Governo de Cristina Kirchner generalizou em 2012 e que em 2016 deverão ser modificadas depois de uma sentença contrária da Organização Mundial de Comércio (OMC).

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