Dólar a 3 reais veio para ficar e muda rotina e planos dos brasileiros
Mercado reage a impasse sobre ajuste e redução da intervenção do Governo no câmbio Valorização da moeda americana também é influenciada por recuperação dos EUA
Diante de um cenário de disputas políticas e de incertezas econômicas no Brasil, o dólar ultrapassou a barreira dos três reais na semana passada e a tendência é que permaneça em alta até pelo menos o final do ano, segundo especialistas. Além das preocupações domésticas, a valorização da moeda norte-americana também é fortemente influenciada por fatores externos, como a provável elevação da taxa básica de juros nos Estados Unidos. A estimativa é que a moeda chegue ao fim do ano cotada a 3,05 reais, uma valorização de 19% em relação a dezembro do ano passado.
“O Brasil vive um momento bastante turbulento. Além dos escândalos da Petrobras e o rebaixamento da nota da estatal (pela agência Moodys), há dúvidas sobre o ajuste fiscal depois que o Congresso devolveu ao Governo a medida provisória que listava decisões necessárias, criando uma instabilidade maior ainda sobre o real”, afirma Bruno Lavari, economista da Tendências Consultoria.
O especialista explica que outro motivo interno que contribui para a alta do dólar frente ao real é a redução do grau de intervenção do Governo brasileiro no câmbio. “Nos últimos dois anos, o Banco Central estava oferecendo swaps cambiais [contratos com troca de indexador] para atenuar a volatilidade da moeda norte-americana. E, agora, já sinaliza uma redução nessa intervenção, permitindo que o dólar flutue e suba”, afirma.
A mudança de comportamento do câmbio já afeta a vida prática de brasileiros como a pedagoga Cynthia Saguie, que tinha planos de levar a filha para conhecer a Europa nas férias de julho, mas o dólar caro fez com que mudasse seus planos. “O câmbio está muito alto e eu não sei como ficarão as coisas no Brasil enquanto eu estiver fora”, diz ela, que começou a pesquisar roteiros nacionais, e adiou para o ano que vem a viagem ao exterior.
Lá fora, a valorização do dólar em relação a várias moedas estrangeiras teve um grande impacto após a divulgação de dados que mostram a recuperação da economia dos Estados Unidos, como por exemplo a taxa de emprego favorável. Na semana passada, o desemprego americano ficou em 5,5%, a menor taxa desde 2008. De acordo com Mauro Rochlin, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, os resultados foram melhores do que o esperado.
“Como os títulos do dólar ficaram mais atrativos, os americanos querem comprar mais, aumentam a demanda deles e jogam o preço lá pra cima, impactando o câmbio no Brasil”, afirma. O economista explica que esse aquecimento da economia reforça as perspectivas que o Fed (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA) aumente os juros do país. “Isso reduz o fluxo de capital para países como o Brasil, depreciando o real”, completa Rochlin.
Euro fraco
O crescimento da maior economia do mundo também afeta o euro, que atingiu seu menor valor em 12 anos frente ao dólar nesta semana. A moeda chegou a ser negociada a 1,0693 dólares, a menor cotação desde abril de 2003. Lavari, da Tendências, ressalta que a desvalorização da moeda europeia também sofre uma forte influência de fatores domésticos. “Para impulsionar a economia de vários países da União Europeia e a taxa de emprego, o Banco Central Europeu (BCE) está injetando muito dinheiro no mercado, gerando uma depreciação da moeda”, explica.
O BCE começou a realizar compras de dívidas no dia 9 de março. A instituição investirá 60 bilhões de euros (197,8 bilhões de reais) por mês na aquisição de ativos públicos e privados pelo menos até finais de setembro de 2016.
O especialista alerta, no entanto, que a desvalorização do euro ainda é muito menor que a do real. “E o euro ainda é mais caro de comprar que o dólar. Ainda é cedo para dizer que no futuro será mais barato viajar para Europa que para os Estados Unidos, por exemplo”, afirma.
Quem ganha e quem perde?
A escalada da moeda norte-americana frente ao real, que já acumula alta de mais de 17% desde o início do ano, pode ser considerada positiva para as exportações e para a balança comercial. Em contrapartida, pesará no bolso do consumidor no longo prazo, com o aumento de alguns produtos, da inflação e das viagens internacionais. Os gastos no exterior, que no ano passado chegaram a cifra recorde de 25,6 bilhões de dólares, também podem cair.
"É provável que a desvalorização do real provoque a redução do consumo dos brasileiros no exterior, que deve ser redirecionada para uma demanda interna", explica Reginaldo Nogueira, professor de economia do Ibmec. Ele explica, no entanto, que essa mudança será observada apenas nos próximos meses. "Grande parte das decisões já foram tomadas antes, o ajuste não vai ser imediato. Mas, certamente, os gastos de brasileiros no exterior não devem chegar aos 25 bilhões de dólares, como no passado", afirma.
Já os exportadores vão sempre ganhar com qualquer alta da moeda norte-americana, explica Rochlin. "Ainda que eles não consigam traduzir, neste momento, esse aumento em mais vendas. As relações comerciais são armadas de maneiras mais complexas e as mudanças vão demandar tempo”, afirma Mauro Rochlin.
Ainda de acordo com o professor da FGV, a valorização do dólar também ajudará no ajuste na balança comercial. “Mas acredito que o equilíbrio da balança será mais influenciado pela queda de importação [que ficam mais caras com o câmbio alto] do que pelo aumento das exportações”, conclui.
Para Bruno Lavari, da Tendências, todos os produtos comercializados e que chegam para os consumidores devem ser influenciados, mas não há curto prazo. “Essa volatilidade ainda não está afetando diretamente as importações e exportações. Como a economia doméstica está fraca, o repasse do preço ainda está integral, parte dessa alta foi comida na margem de lucro dos varejistas, por exemplo, e ainda não chegou integramente ao consumidor”, explica.
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