Quanto machismo há na sua empresa?
Surge nos Estados Unidos o primeiro índice para mostrar o grau de desigualdade entre mulheres e homens nas grandes companhias
As mulheres têm oportunidades de subir? Condições para conciliar a maternidade e o trabalho? Há mulheres em posição de direção na cúpula da empresa? Essas são algumas das perguntas a responder no InHerSight, um site lançado em janeiro para expor o machismo e as desigualdades nas grandes empresas. Sob a premissa de que “as mulheres precisam de mais apoio, e os empresários precisam das mulheres”, o site é o primeiro medidor da taxa de desigualdade entre mulheres e homens no trabalho. A partir de um teste que inclui questões como se há o pagamento de férias e se facilitam ser mãe, as trabalhadoras dos Estados Unidos podem avaliar como é seu ambiente de trabalho e se sofrem algum tipo de discriminação relacionada ao gênero.
O mecanismo para participar é simples e não leva mais de cinco minutos. Basta entrar no site e responder uma série de perguntas, marcando numa escala que vai de 1 a 5 estrelas como é a empresa em itens como a representação feminina em cargos elevados, a igualdade de oportunidades para ambos sexos ou as facilidades para ter filhos. Também é possível escrever um comentário contando experiências concretas ou observações que não tenham sido incluídas no teste inicial.
Sua criadora, Ursula Mead, é mãe e trabalha em período integral no setor de tecnologia financeira. “Uso dados para resolver problemas em meu trabalho todos os dias, por isso resolvi usar meus conhecimentos para melhorar as condições de trabalho das mulheres”, relata por e-mail. Embora por enquanto só seja possível avaliar cargos ocupados nos EUA, o objetivo é que o site se torne uma ferramenta válida no mundo todo: “Recebemos pedidos para torná-lo internacional e esperamos conseguir isso logo”, afirma.
A intenção do projeto não é oferecer resultados estatisticamente perfeitos, e sim dar visibilidade a um problema que está longe de ser superado e continua afetando gravemente as mulheres. Os dados coletados são públicos e servem para ajudar a se situar quem vai começar num novo trabalho, mas, acima de tudo, são um ponto de partida para gerar um necessário debate social sobre a igualdade no trabalho. Uma forma de incentivar as empresas a melhorarem suas políticas e empregarem os meios necessários para acabar com práticas sexistas e discriminatórias. “Cremos que tornar públicas as avaliações terá influência em tornar as companhias responsáveis por suas políticas. Nosso objetivo é criar uma mudança real impulsionada pelas trabalhadoras. É necessário ter transparência, que vá além de fazer listas de medidas empresariais favoráveis às mulheres. O que tentamos refletir é como as mulheres se sentem quando essas políticas são aplicadas. Se uma empresa teoricamente oferece X semanas de licença-maternidade, mas as mães se veem pressionadas a ficar fora muito menos tempo, há um problema”, diz Mead.
O site tem um mês de vida e ainda não conta com muitos dados, mas os que foram coletados até agora oferecem um ponto de partida interessante. O Google é uma das empresas que, segundo as usuárias do site, tratam melhor as mulheres. O gigante de tecnologia tem nota média 4,8 em condições para ser mãe e 4,7 em apoio para o crescimento familiar, sendo seu ponto fraco a representação feminina em cargos da alta direção, em que a nota é 2,9, na escala até 5. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos é uma das instituições com pior avaliação. Segundo as usuárias do InHerSight, há deficiências na igualdade de oportunidades de trabalho para homens e mulheres e insatisfação com o salário. A empresa que edita o The New York Times, a Comcast (maior empresa de TV a cabo dos EUA), a Coca Cola e a Apple são outras que já foram avaliadas.
O modelo é semelhante ao do Glassdoor, um site que oferece ao usuário informações transparentes sobre empresas e salários e já é um verdadeiro fenômeno nos Estados Unidos. Seus dados, mais quantitativos que qualitativos, também vêm dos resultados de consultas anônimas, e são compartilhados desde 2007. O InHerSight se concentra no ambiente de trabalho e luta para que as mulheres tenham uma carreira bem-sucedida, subam na hierarquia, desenvolvam suas habilidades e possam compatibilizar tudo isso com a vida em família. “Queremos ser como [o site de turismo] TripAdvisor, mas com foco nas mulheres e nos lugares em que trabalham. Eles ajudam os viajantes a encontrar o que estão buscando e a melhorar os serviços, graças às avaliações feitas pelos usuários... não há razão para que o modelo não funcione para mulheres e empresários”, afirma sua fundadora.
Apesar da boa vontade com que nasce o projeto, um dos erros que podem ser imputados a ele é que não são checados os dados de quem participa. Sua fundadora diz que confia na palavra das usuárias. “Na Internet é possível dar opiniões anônimas que mesmo assim trazem informações valiosas. Acontece o mesmo com o TripAdvisor, por exemplo", comenta. Só que, embora preservar o anonimato incentive a sinceridade, também abre caminho para que as próprias empresas votem para melhorar sua imagem – ou para manchar a reputação de concorrentes. No Glassdoor, por exemplo, de 15% a 20% dos dados foram rejeitados em 2013 por serem “incorretos ou suspeitos”. Distinguir a qualidade das opiniões emitidas no site é o desafio seguinte a ser enfrentado pelo InHerSight. Mesmo à espera dessas melhoras – e pela possibilidade de uso fora dos EUA – é bom saber que há um lugar onde é possível conseguir informações sobre o sexismo no trabalho. É recurso muito necessário, quando se sabe que no Brasil os homens ganham em média 70% a mais que as mulheres, segundo o Índice Global de Desigualdade de Gênero, levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial.
Esse dado é desanimador, ainda mais quando se leva em conta que será preciso esperar 60 anos até que a renda das mulheres se iguale à dos homens, segundo estimativa do Office for National Statistics do Reino Unido. A conciliação entre vida familiar e laboral continua a ser uma miragem que dificulta às mulheres a ascensão e o aumento de salário. Como se isso fosse pouco, o ambiente hostil que muitas vivenciam em seus postos de trabalho provoca a perda de interesse em subir degraus, e em setores como ciência, tecnologia e engenharia isso se traduz em 50% dos casos de abandono do emprego, como constatou em 2008 um estudo publicado pela revista Harvard Business Review e confirmou neste ano a recente saída em massa de mulheres do setor de tecnologia. Tudo isso mostra que há um longo caminho a percorrer. Comecemos por torná-lo visível.
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