_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Será que os brasileiros perderam o medo de serem governados por uma mulher?

“O fato de ter uma presidenta é positivo, porque desperta o interesse das mulheres pela política. Tem um grande valor simbólico de representatividade”

Juan Arias

O Brasil costuma ser visto como um país feminino, pela sensualidade que exala, por seu gosto pela festa e por sua vocação para a felicidade. E, no entanto, é também um país duro, pela violência criminal e pelo machismo. Três mulheres disputam neste momento a Presidência da República, e duas delas têm possibilidades reais de vitória. Será que isso significa que os brasileiros perderam o medo de serem governados por uma mulher? Agrega algo o fato de ser uma mulher, em vez de um homem, que tem em suas mãos os destinos da nação?

Quis fazer essas e outras perguntas a Jarid Arraes, jornalista e colunista da revista Fórum, na qual escreve um blog intitulado Questão de Gênero. Ela também escreve literatura de cordel, e toda a sua atividade jornalística está empenhada na causa feminista. Por defender os direitos nem sempre reconhecidos da mulher e por criticar os abusos perpetrados pelo machismo ainda persistente, Jarid às vezes paga um preço alto. Nesta entrevista, ela se mostra uma feminista reflexiva e equilibrada.

Pergunta. Nestas eleições, três mulheres são candidatas à presidência, duas delas com possibilidades de ganhar. Quer dizer que os brasileiros perderam o medo de serem governados por uma mulher?

Resposta. Pelo que podemos observar de um ponto de vista feminista, o preconceito contra uma mulher presidenta foi de certa forma superado; Marina Silva (PSB) e Dilma Rousseff (PT) estão disputando nas duas primeiras colocações, deixando até mesmo o candidato do PSDB para trás. Então é possível compreender que o fato de ambas serem mulheres não se mostra como um fator que inibe a maioria dos votos. Isso não quer dizer que ainda não existam pessoas que consideram as mulheres inadequadas para cargos políticos, sobretudo para a presidência, mas o machismo está mais presente na forma como tratam essas mulheres e no conteúdo dos ataques feitos contra elas. É no discurso cotidiano que o machismo enraizado se revela com mais frequência.

P. Dilma diz que é acusada de ser dura por ser mulher. Marina afirma que é criticada por ter chorado, mas que, quando Lula chorava, ninguém o criticava. Melhor um robô na Presidência ou uma pessoa capaz de se emocionar?

R. Nenhuma das exigências é correta. O problema de utilizar as emoções de uma mulher para criticá-la é complexo, pois, ao mesmo tempo em que a cultura brasileira não enxerga com muita simpatia a mulher que é assertiva e dominante, também desvaloriza a mulher que corresponde ao padrão de “feminilidade”, muitas vezes carimbando essa mulher como imatura, infantil, desequilibrada e fútil. Mas não existe um tipo padrão de personalidade e temperamento para todas as mulheres. Se Dilma é mais assertiva, essa é uma característica dela, algo subjetivo e único de sua personalidade. O mesmo vale para Marina, que tem todo o direito de demonstrar mais sensibilidade. E esse direito é válido também para os homens. Ao fazer uma análise sobre o que essas atitudes significam em uma disputa pela presidência, é possível evitar se basear em padrões e papéis de gênero; não é preciso recorrer a maniqueísmos.

P. Quanto machismo resiste ainda na sociedade brasileira?

R. A sociedade brasileira ainda é profundamente machista, fato evidenciado por centenas de estatísticas e análises da realidade das mulheres desde a infância. Recentemente, a Plan Brasil lançou a pesquisa “Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”; de acordo com os dados publicados, as crianças do sexo feminino já crescem em um contexto de desigualdade e aprendem que podem menos do que os meninos. Isso se reflete em todas as fases da vida das mulheres, que ainda continuam a receber salários inferiores pelos mesmos trabalhos realizados por homens. Fazendo um recorte racial, as mulheres negras são ainda mais preteridas no Brasil e são protagonistas das piores estatísticas, formando o grupo mais vulnerável do país. Todas essas informações podem ser facilmente constatadas nas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por exemplo.

P. Em que campo as mulheres se sentem ainda discriminadas no Brasil?

R. A discriminação de gênero está enraizada na cultura brasileira, por isso o machismo e a misoginia estão presentes em todos os contextos sociais. Desde os brinquedos separados por gênero até as polêmicas que envolvem os direitos reprodutivos das mulheres no Brasil, o machismo pode ser identificado nas conversas corriqueiras, na forma como mulheres são julgadas pelas roupas que vestem e também nas violações de direitos trabalhistas que mulheres grávidas sofrem em seus empregos. A questão é bastante complexa, e fatores como classe, cor e orientação sexual podem potencializar ainda mais essa discriminação.

P. Por que os homens continuam tendo medo das mulheres? O que lhes dá medo em relação a elas?

R. Não posso afirmar que os homens, de modo geral, temam as mulheres. Alguns homens ainda se sentem confrontados e diminuídos quando se deparam com mulheres autônomas, mas o machismo não é simplesmente gerado a partir da insegurança de alguns homens. O machismo é um modelo cultural muito dominante, que hierarquiza o mundo de acordo com o gênero, e sua base é a desvalorização do feminino, a depreciação da mulher. É claro que os homens também sofrem algumas consequências desse modelo, pois a masculinidade tem parâmetros rígidos; no entanto, as mulheres são estatisticamente mais atingidas e preteridas socialmente. Os números altíssimos de estupros e casos de violência doméstica são evidência disso.

P. Em que você acredita que as mulheres nunca serão nem quererão ser como os homens?

R. Acredito que devemos esquecer as polarizações e precisamos parar de dividir o mundo entre “homens versus mulheres”, como se todos os homens e todas as mulheres fossem iguais entre si. Cada pessoa é um indivíduo único, independente de seu gênero. Seguindo esse raciocínio, é impossível dizer que as mulheres nunca serão iguais aos homens em determinados aspectos, porque esses grupos universais de homens e mulheres não existem quando nos referimos a aptidões, personalidades e interesses. Os papéis de gênero e as preferências que temos são construídas socialmente, não são condições inatas. Ao abandonarmos esses padrões, haverá muito mais liberdade para todos os sexos.

P. Pelo que você sabe, o fato de a candidata Marina Silva ser uma pessoa de fé religiosa e pertencer a uma Igreja evangélica significa um obstáculo no mundo das feministas?

R. A religião de Marina Silva não é um problema para as pautas feministas, assim como não é um problema que qualquer outro candidato tenha sua fé, seja ela católica, candomblecista ou de qualquer outra religião. O problema está nas alianças que esses candidatos podem fazer com as camadas conservadoras. Temos exemplos, no Brasil, de pastores evangélicos que são a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo ou que discutem pautas polêmicas como a legalização do aborto, pois sabem que há separação entre o Estado e as religiões. O problema de Marina Silva é que seus posicionamentos são incertos, e questões de foro íntimo são tratadas por ela como demandas de plebiscito, o que torna os direitos das minorias ainda mais vulneráveis. É importante notar que essa negligência com os direitos das mulheres e pessoas LGBT não vem somente de candidatos religiosos, pois há pessoas que não declaram uma religiosidade forte, mas ainda assim demonstram conservadorismo diante de diversos temas importantes para o movimento feminista e LGBT.

P. Serve de algo o fato de o Brasil ser governado por uma mulher, se ela também acaba assimilando os vícios da velha política machista?

R. O fato de termos uma presidenta é algo positivo em muitos aspectos: isso desperta o interesse de outras meninas e mulheres pelos cargos políticos, ensina pelo exemplo que mulheres podem desempenhar papéis diversos e também tem um grande valor simbólico de representatividade. Os movimentos feministas esperam que uma mulher na presidência possa dedicar sua atenção aos problemas do machismo no país, o que nem sempre acontece. No Governo Dilma tivemos conquistas importantes, mas também enfrentamos retrocessos. Mas esse assunto não pode ser analisado de forma simplista – é claro que uma mulher que defende valores conservadores e machistas não desempenhará um bom governo do ponto de vista dos movimentos sociais das mulheres, assim como é possível que um presidente homem se comprometa com as pautas feministas e desenvolva um ótimo trabalho. No fim das contas, importa que as reivindicações das mulheres brasileiras sejam atendidas com seriedade.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_