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O amor não nos aconteceu. Tomamos a decisão de nos apaixonar

Escritora narra no 'The New York Times' como colocou em prática uma experiência que há 20 anos fez com que dois desconhecidos se apaixonassem

Mireia Pérez

Há mais de 20 anos, o psicólogo Arthur Aron conseguiu fazer com que dois estranhos se apaixonassem em seu laboratório. No começo do segundo semestre de 2014 apliquei essa técnica na minha vida, e por isso acabei de pé em uma ponte a meia-noite, olhando um homem nos olhos durante exatamente quatro minutos.

Deixem que eu me explique. Horas antes esse homem me disse: “Suspeito que, com algumas coisas em comum, poderíamos nos apaixonar por quem quer que seja. Se é assim, como escolhemos alguém?”.

Era um conhecido da universidade com o qual cruzava de vez em quando na academia onde pratico escalada, e que me fez pensar “pode ser ele?”. Dei uma olhada no seu dia a dia no Instagram. Mas essa era a primeira vez que nos encontrávamos só nós dois.

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“Na realidade, existem psicólogos que tentaram fazer com que as pessoas se apaixonassem”, eu disse, relembrando o estudo do doutor Aron. “É fascinante. Sempre quis experimentá-lo”.

Soube do estudo pela primeira vez quando estava no meio de um término. Cada vez que pensava em terminar, meu coração anulava a decisão do meu cérebro. Me sentia presa. Então, como boa acadêmica, me voltei para a ciência na esperança de que houvesse uma forma mais inteligente de amar.

Expliquei o estudo para meu conhecido da universidade. Um homem e uma mulher heterossexuais entram no laboratório por portas diferentes. Os dois sentam-se frente a frente e respondem uma série de perguntas cada vez mais pessoais. Depois se olham nos olhos durante quatro minutos. O detalhe mais cativante: seis meses depois, dois dos participantes estavam casados. Convidaram todo o laboratório para a cerimônia.

“Vamos testar”, ele disse.

Eu preciso admitir que nossa experiência não se ajusta ao estudo. Primeiro, estávamos em um bar, não no laboratório. Segundo, não éramos estranhos. Não só isso, me dei conta agora de que uma pessoa não sugere e nem está de acordo em testar uma experiência feita para criar um amor romântico se essa pessoa não está aberta ao que possa acontecer.

Busquei as perguntas do doutor Aron no Google; são 36. Passamos as duas horas seguintes passando o iPhone entre nós na mesa, fazendo as perguntas alternadamente.

Começaram de forma inócua: “Você gostaria de ser famoso? De que forma?”. E “quando foi a última vez que cantou sozinho? E para alguém?”.

Mas rapidamente tornaram-se mais inquisitivas.

Como resposta à provocadora “nomeie três coisas que você e seu companheiro aparentemente têm em comum”, me olhou e disse: “Creio que nós dois estamos interessados um no outro”.

Sorri e dei um gole na minha cerveja enquanto ele enumerou outras duas coisas das quais logo me esqueci. Trocamos histórias sobre a última vez que choramos e confessamos uma pergunta que gostaríamos de fazer para um adivinho. Explicamos nossas relações com nossas mães.

As perguntas me lembraram a famosa experiência da rã na qual o animal não percebe como a água vai esquentado até que seja tarde demais e ela esteja fervendo. No nosso caso, e como o nível de vulnerabilidade aumentava gradualmente, não notei que havíamos entrado no terreno íntimo até que estávamos dentro, um processo que normalmente pode levar semanas ou meses.

Gostei de aprender sobre mim através das minhas respostas, mas gostei ainda mais de aprender coisas sobre ele. O bar, que estava vazio quando chegamos, havia enchido quando fizemos uma pausa para ir ao banheiro.

Sentei sozinha na mesa, consciente do entorno pela primeira vez em uma hora, e me perguntei se alguém estava ouvindo nossa conversa. Se o fizeram, não me dei conta. Não percebi também que a multidão foi diminuindo a medida que ficava cada vez mais tarde.

Todos temos uma história sobre nós mesmos que contamos a estranhos e conhecidos, mas as perguntas do doutor Aron fazem com que seja impossível usá-la. Foi criada essa espécie de intimidade acelerada que me lembra o acampamento de verão: ficar acordada toda noite com um amigo novo, trocando detalhes de nossas curtas vidas. Com 13 anos, longe de casa pela primeira vez, parecia natural conhecer alguém tão depressa. Mas a vida adulta raramente nos oferece essas circunstâncias.

Os momentos nos quais me senti mais incômoda não foram quando tive de confessar coisas sobre mim, mas quando tinha de dar opiniões sobre meu companheiro. Por exemplo: “Compartilhe alternadamente algo que considere uma característica positiva de seu companheiro; um total de cinco coisas” (pergunta 22), e “diga a seu companheiro o que você gosta nele; seja muito honesto dessa vez e diga coisas que não diria para alguém que acabou de conhecer” (pergunta 28).

Grande parte das pesquisas do doutor Aron estão centradas em como criamos proximidade interpessoal. Concretamente, vários de seus estudos pesquisam as formas com as quais incorporamos os demais em nosso sentido do eu. É fácil ver como as perguntas animam o que chama de “autoexpansão”. Dizer coisas como “gosto da sua voz, das suas preferências em cerveja, a forma com que todos os seus amigos parecem admirá-lo” faz com que certas qualidades positivas de uma pessoa sejam explicitamente valiosas para a outra.

É realmente surpreendente ouvir o que alguém admira sobre você. Não sei por que não nos dedicamos a dizer elogios para todo mundo a todo momento.

Acabamos a meia-noite, e levamos muito mais tempo para terminar do que os 90 minutos do estudo original. Olhei ao meu redor, no bar, e fiquei com a impressão de que acabava de despertar. “Não foi tão mal – eu disse – Definitivamente menos incômodo do que seria a parte de nos olharmos nos olhos”.

Ele duvidou e perguntou: “Acha que deveríamos fazer isso também?”.

“Aqui?”, olhei o bar. Eu achava muito estranho, muito público.

“Poderíamos ir para a ponte”, ele disse, virando para a janela.

A noite estava quente e eu estava completamente desperta. Caminhamos ao ponto mais alto e depois viramos para ficar cara a cara. Toquei lentamente meu celular para colocar o cronômetro.

“Valendo”, eu disse, respirando profundamente.

“Valendo”, ele disse, sorrindo.

Eu esquiei em desfiladeiros inclinados e estive pendurada em uma parede rochosa atada com um pedaço curto de corda, mas olhar nos olhos de alguém durante quatro silenciosos minutos foi uma das experiências mais emocionantes e aterradoras da minha vida. Passei o primeiro par de minutos simplesmente tentando respirar de forma adequada. Ocorreram muitos sorrisos nervosos até que, finalmente, nos sentimos confortáveis.

Sei que se diz que os olhos são a janela da alma, ou coisa parecida, mas o xis da questão não era somente que eu estava olhando para alguém, mas que estava olhando para alguém que me olhava. Quando aceitei a aterrorizante ideia da qual havia me dado conta e dei tempo para que ela assentasse, cheguei em um lugar inesperado.

Eu me senti corajosa e em um estado de assombro. Parte desse assombro foi por minha própria vulnerabilidade e parte veio pela estranha forma de fascinação que ocorre quando dizemos uma palavra repetidamente até que perde seu significado e se transforma no que realmente é: uma união de sons.

Foi o que aconteceu com o olho, que não é uma janela para nada, mas um conjunto de células muito úteis. O sentimento associado com o olho se desvaneceu e eu me vi impactada por sua surpreendente realidade biológica: a natureza esférica do globo ocular, a musculatura visível da íris, e o cristal suave e úmido da córnea. Era estranho e gostoso.

Quando o alarme tocou, estava surpresa... E um pouco aliviada. Mas senti também uma espécie de perda. Já estava começando a ver nossa noite com as lentes irreais e pouco confiáveis da retrospecção.

Muitos de nós pensamos no amor como algo que nos acontece. Em inglês, “we fall in love”, caímos no amor. “We get crushed”, ficamos esmagados.

Mas algo que gosto nesse estudo é como ele assume que o amor é uma ação. Leva em consideração que aquilo que importa para meu companheiro também me importa, porque temos pelo menos três coisas em comum, porque mantemos relações próximas com nossas mães e porque ele deixou que eu o olhasse.

Eu me perguntei o que sairia daquela interação. Pelo menos, pensei que me daria material para uma boa história. Mas agora me dou conta que a história não é sobre nós; é sobre o que significa ter o incômodo de conhecer alguém, que por sua vez e na realidade é uma história sobre o que significa nos conhecerem.

Com certeza você não pode escolher quem te ama, ainda que eu tenha passado anos com a esperança contrária, e também não pode criar sentimentos românticos baseados somente no que lhe convém. A ciência nos diz que a biologia importa; nossos feromônios e hormônios trabalham muito nos bastidores.

Mas apesar de tudo isso, comecei a pensar que o amor é mais flexível do que acreditamos. O estudo de Arthur Aron me ensinou que é possível – simples, até – gerar confiança e intimidade, que são os sentimentos que o amor necessita para prosperar.

Você provavelmente está perguntando se ele e eu nos apaixonamos. Bem, aconteceu. Ainda que seja difícil dar todo o mérito ao estudo (poderia ter acontecido de todas as formas), as perguntas nos ofereceram um caminho para uma relação que sentimos como voluntário e deliberado. Passamos semanas no espaço íntimo que criamos essa noite, esperando para ver no que poderia se transformar.

O amor não nos aconteceu. Estamos apaixonados porque tomamos a decisão de está-lo.

Mandy Len Catron dá aulas de escrita na Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, e está trabalhando em um livro sobre os perigos das histórias de amor. 

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times em 9 de janeiro, onde em apenas uma semana teve 5,2 milhões de leitores e foi compartilhado 365.000 vezes no Facebook e mais de 14.000 no Twitter.

© The New York Times

Se você quer ler (e testar) as 36 perguntas mencionadas no artigo, aqui estão.

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