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Conselho de Segurança debate levar norte-coreanos à Corte de Haia

O órgão de segurança das Nações Unidas aborda pela primeira vez as violações dos direitos humanos pelo regime da Coreia do Norte

Samantha Power, no Conselho de Segurança.
Samantha Power, no Conselho de Segurança.DON EMMERT (AFP)

O Conselho de Segurança das Nações Unidas abordou na segunda-feira, em uma reunião sem precedentes, a situação dos direitos humanos na Coreia do Norte, por considerar que este é um assunto que ameaça a paz e a segurança mundiais. O Conselho debateu, apesar da oposição inicial da China e da Rússia, as atrocidades maciças e sistemáticas contra a população governada por Kim Jong-un, conforme denúncia feita em fevereiro por uma comissão de inquérito da ONU, a qual motivou uma solicitação da Assembleia Geral para remeter o caso ao Tribunal Penal Internacional.

A maioria dos membros do Conselho, com a liderança dos Estados Unidos e o apoio do Reino Unido e da França, entre outros, apoiaram a imposição de sanções e a abertura de processos na Justiça internacional contra os líderes do regime comunista norte-coreano. China e Rússia foram os únicos países que se opuseram.

O Conselho não aprovou nenhum documento ou resolução durante a sessão, que teve clima pesado por causa dos depoimentos citados, num momento de forte tensão internacional envolvendo a Coreia do Norte. Como Pyongyang não reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, somente o Conselho de Segurança pode remeter abusos à corte com sede em Haia, na Holanda.

Samantha Power, embaixadora dos Estados Unidos, considerou que o Conselho deve debater essa iniciativa, entre outras. “A população da Coreia do Norte vive em um pesadelo. As violações dos direitos humanos são uma ameaça à paz internacional. Estão sendo cometidos crimes sistemáticos contra a humanidade. Devemos pressionar a Coreia porque ela é sensível a essas pressões”, declarou.

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A diplomata fez um relato horripilante de alguns dos testemunhos colhidos no relatório das Nações Unidas. “Um ex-guarda de um campo de detenção contou que cozinharam um bebê nascido de um estupro e o deram de comer aos cães. Se um guarda conta isto, que outros horrores não devem estar ocorrendo?”, perguntou, comovida.

Power concluiu: “A Coreia lançou o ataque contra a Sony e ameaçou os trabalhadores da multinacional por medo da liberdade de expressão. É absurdo. Quando um país ameaça com a aniquilação nuclear quem denuncia os atrozes maus tratos sofridos por seus cidadãos, isso não é uma ameaça à paz mundial? Se a Coreia do Norte não quiser que falemos sobre esses assuntos, só precisa respeitar os direitos humanos. Mas isso não vai ocorrer, então o Conselho deve remeter esse assunto ao Tribunal Penal Internacional. Assim pediram 116 Estados membros. É o mínimo que podemos fazer”.

No mesmo sentido se pronunciaram os representantes de outros países. “Não podemos ficar à margem. Os responsáveis por tantas brutalidades devem responder por seus delitos contra a humanidade. A chantagem nuclear da Coreia do Norte não nos fará apartar o olhar. As violações devem terminar”, proclamou o embaixador francês, François Delattre. Gary Quinlan, da Austrália, país que convocou o debate, considerou a reunião um “passo histórico”. “A ameaça da Coreia não é só o seu programa nuclear, mas o trato atroz que dedica ao seu povo. As violações de direitos humanos dessa magnitude são um sinal de instabilidade e de conflitos. Quando a Coreia ameaça fazer testes nucleares se suas atrocidades forem abordadas, fica provado até que ponto esses assuntos estão conectados”, acrescentou.

Alguns países, como Argentina e Chade, fizeram exposições mais suaves, nas quais advertiram sobre o risco de politizar as questões de direitos humanos e desvirtuar a função do Conselho como máximo fiador da paz mundial. A Coreia do Sul exigiu mais diálogo com o Norte. A reunião contou com a presença dos secretários-gerais-adjuntos da ONU para Direitos Humanos, Ivan Simonovic, e para Assuntos Políticos, Tayé-Brook Zerihoun. A delegação da Coreia do Norte, convidada à reunião, se negou a comparecer. “O que acontece na Coreia não têm comparação com nenhum outro lugar do mundo”, declarou Tayé-Brook Zerihoun. “Esta reunião é um toque de alerta para a Coreia. Seu povo precisa da proteção e da liderança deste Conselho”, acrescentou Simonovic.

A reunião lança um precedente interessante, já que, até agora, o Conselho só havia abordado a proliferação nuclear da Coreia do Norte como uma ameaça mundial. Além disso, alguns membros acreditam que o órgão terá a partir de janeiro de 2015 (quando forem incorporados novos membros não permanentes) uma composição menos sensível à questão. Com o precedente estabelecido, será difícil que o novo Conselho se negue a ser informado sobre violações de direitos humanos no futuro.

O debate foi solicitado no dia 5 pela Austrália, com a adesão de outros nove dos 15 Estados membros do Conselho (Chile, França, Jordânia, Lituânia, Ruanda, Luxemburgo, Coreia do Sul, Reino Unido e Estados Unidos). No início da reunião, a China manifestou sua oposição ao debate. “O Conselho deve rebaixar tensões e não fazer nada que provoque uma escalada. A inclusão na pauta dos direitos humanos na Coreia contraria esses objetivos. Só trará prejuízos ao invés de benefícios.” Foi necessária, portanto, uma votação prévia para introduzir o tema na ordem do dia. Rússia e China votaram contra, e os demais foram favoráveis, com exceção do representante do Chade, que, por ocupar a presidência da sessão, se absteve. Foi a primeira vez que um trâmite desse tipo ocorreu desde em 15 de setembro de 2006.

Na quinta-feira passada, a Assembleia Geral aprovou uma moção solicitando ao Conselho de Segurança que cogite a hipótese de submeter os dirigentes norte-coreanos ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade. A resolução teve 116 votos a favor, 20 contra e 53 abstenções. O texto, patrocinado pela União Europeia e o Japão, já havia sido aprovado em novembro pela Comissão de Direitos Humanos como extensão do relatório divulgado em fevereiro por um painel de investigadores que constatou todo tipo de barbaridade no país asiático.

A resolução incluiu uma lista de atrocidades cometidas contra a população, como campos de internamento, deslocamentos forçados e outras violações dos direitos humanos. O inquérito da ONU constatou políticas de extermínio, assassinatos, escravidão, execuções sumárias, torturas, violência sexual, abortos forçados e perseguições por motivos políticos, religiosos, raciais ou de gênero. Segundo o documento de fevereiro, 120.000 prisioneiros políticos estão retidos em quatro grandes campos de concentração, onde passam fome e são submetidos a trabalhos forçados.

Pyongyang rejeitou a resolução. “É produto de um complô político para tentar mudar nosso país”, denunciou o embaixador do país na ONU, An Myong-hun. O presidente da comissão de inquérito, o juiz australiano Michael Kirby, advertiu em fevereiro que Kim Jong-un, como líder do país, deve assumir sua responsabilidade acerca desses crimes.

Temendo a ação da Justiça internacional, o regime norte-coreano realizou vários movimentos para se defender. Entre outras coisas, mostrou-se disposto a cooperar com a ONU e convidou dois de seus representantes para visitarem o país.

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