“Não devemos cometer na região o erro da Europa, de ajustar e ajustar”
A secretária-executiva da CEPAL, analisa a situação econômica da América Latina
Como secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Alicia Bárcena (Cidade do México, 1952) defende há seis anos a diversificação produtiva e a igualdade. Sua pregação se reforçou diante do fim da bonança que os altos preços das matérias-primas trouxe para a região.
Pergunta. É o momento para ajuste ou há outra via para crescer com inclusão social?
Resposta. Não podemos falar da região como um todo. Há países que têm mais espaço do que outros para fazer políticas contracíclicas. A maioria cresce acima de 2,8%. A média é de 1,1% porque há três economias que a baixam: Argentina, Brasil e Venezuela.
P. Compartilha a visão de “Mercosul mau e Aliança do Pacífico bom”?
R. Mais que Mercosul ou Aliança do Pacífico, falamos de que contexto externo é determinante para cada país. Se os EUA levam a melhor, o México e a América Central vão melhor. A América do Sul não vai tão bem porque é mais dependente da China e da Europa.
P. Na reunião da semana passada do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizada no Chile, a senhora foi dura com o Brasil...
R. O Brasil cresce pouco, tem inflação alta e pouco espaço para políticas. É dos que têm de ajustar sem sacrificar conquistas sociais.
P. Que outros países estão como o Brasil?
R. Direi quais não estão como o Brasil: Bolívia, Equador, Colômbia. Há países nos quais a redução de receitas não tributáveis, pela queda dos preços das matérias-primas, foi sendo compensada com receitas tributáveis. Fizeram reformas tributárias progressivas. Entre eles, o México. Um país com pouco espaço é a Venezuela, e já está fazendo um ajuste nos salários do setor público.
P. E a Argentina?
R. É uma economia diversificada, potência regional em industrialização. Isso é uma vantagem. Mas enfrenta condições macroeconômicas difíceis por causa dos fundos abutres e o acesso ao financiamento externo, questões que esperamos sejam resolvidas para que retome o crescimento. Tem pouco espaço.
P. Chile?
R. Desacelera, mas tem os fundos de estabilização (poupança dos tempos de bonança). Está adotando duas medidas interessantes: mantém a taxa de juros baixa, o que incentiva o investimento, e o Orçamento de 2015 contempla importante investimento público. Estamos sugerindo que toda a região estimule o investimento privado e público.
P. México e Peru?
R. O Peru desacelera, mas mantém um crescimento de 2,5%. O México, com suas 11 reformas estruturais, está na expectativa de que o setor energético e o de telecomunicações se dinamizem. O que tem de ser resolvido é o Estado de direito. Se o faz, tem potencial para seguir em frente.
P. Isso é mais complicado que as 11 reformas estruturais...
R. É muito complicado. É uma questão que pode influenciar fortemente.
P. Como a América Latina fará para crescer?
R. Muito dependerá das reformas em matéria fiscal e dos investimentos. Nossas economias dependiam muito das exportações e do consumo, variáveis que se desaceleraram. Podemos investir em tecnologia, infraestrutura, setores produtivos. A política industrial está de volta e é a oportunidade de diversificar um pouco nossas economias. Se a demanda externa está com problemas, podemos nos concentrar um pouco mais em nosso mercado interno. Há 61 milhões de latino-americanos que tiramos da pobreza, e que estão consumindo. Não devemos cometer o erro da Europa, de ajustar e ajustar.
P. De onde sairá o dinheiro para tudo isso e para manter as conquistas sociais num momento em que as receitas caem?
R. Nós temos tentado diferenciar o gasto social para saber do que estamos falando. Um dos gastos sociais mais eficazes são as transferências não contributivas e condicionadas, como o brasileiro Bolsa Família, porque custam 0,4% do PIB e beneficiam 127 milhões de latino-americanos. O aumento da idade de aposentadoria é importante porque a sociedade está envelhecendo.
P. Então, onde se ajusta?
R. Cada país sabe, mas recomendamos não fazer ajustes no investimento público em infraestrutura, educação e diversificação da produção.
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