Desaparecimento de dezenas de estudantes alarma o México
Após o surto de violência no sul do país, jovens estão desaparecidos há cerca de três dias
A pequena localidade de Iguala, no estado de Guerrero, no sul do México, está há três dias sem ver o sol. O surto de violência que escureceu a cidade no fim de semana e que terminou com seis mortes e 17 feridos continua causando amargas surpresas: a última foi o desaparecimento de 57 estudantes de magistério, os chamados normalistas, que foram o alvo dos ataques dos agentes municipais, comandos policiais e muito possivelmente também bandidos.
Ainda que não se descarte que a maioria permaneça escondida por medo da repressão policial, seu paradeiro, 72 horas depois do derramamento de sangue, se transformou em um objetivo prioritário para o Governo estadual e a Promotoria. Mas a falta de dados e, sobretudo, a incapacidade das autoridades para encontrá-los fez com que os piores cenários fossem imaginados. Seus amigos, pais e professores iniciaram uma mobilização para achá-los. O Governo estadual, em um gesto que demonstra seu desespero, pediu a ajuda da população para que forneça pistas.
Na manhã de terça-feira, a escola de magistério confirmou a volta de 13 estudantes para suas casas. O resto continua com o paradeiro desconhecido. Ninguém fala ainda em mortes, mas os cartazes com os rostos dos desaparecidos preveem um novo capítulo negro no México.
A ferocidade dos ataques de Iguala superou os padrões habituais do enfrentamento entra a polícia e os normalistas. A história desse confronto já vem de anos e está recheada de fatos obscuros; o último ocorreu em 12 de dezembro de 2011, quando dois estudantes foram assassinados na estrada do Sol. O caso nunca foi esclarecido, mas os dedos de seus amigos apontam para as autoridades locais.
Entre a noite de sexta-feira e o sábado, essa tensão, por motivos desconhecidos, explodiu. Na sexta, ao final das aulas, os normalistas das escolas de magistério de Ayotzinapa, onde vivem em regime de internato, foram para Iguala para arrecadar dinheiro, o chamado ‘boteo’. Esses estudantes, fortemente ideologizados, se transformaram em um pequeno poder autônomo, dentro de um estado selvagem como é Guerrero, considerado o mais perigoso do México, junto com Tamaulipas. Por voltas das nove da noite (11 horas de Brasília), se dirigiram para a garagem dos ônibus. Lá, pegaram vários veículos.
“Fazem isso frequentemente, e os motoristas sabem, como não têm dinheiro, esperam que os transportes fiquem sem usuários e pedem que os levem para seu destino”, conta um morador de Iguala. O objetivo era viajar até a escola de Ayotzinapa. Algumas versões sustentam que pensavam em reter os ônibus para irem com eles até a Cidade do México na quinta-feira e participarem dos atos em memória da matança estudantil de Tlatelolco de 1968. “Não houve rapto nem ameaças; falamos com os motoristas dos ônibus e concordaram em fazer o favor de nos levar para escola”, explicou um estudante para os veículos de comunicação locais.
Ninguém fala ainda em mortes, mas os cartazes com os rostos dos desaparecidos preveem um novo capítulo negro no México
Ao saírem dos veículos, a polícia municipal chegou. A tentativa de bloqueá-los o caminho acabou em tiros. Mas os estudantes conseguiram superar o cerco. Por pouco tempo. Poucos quilômetros depois, na avenida Periférica Norte, foram interceptados novamente. Nessa ocasião, o tiroteio foi brutal. Participaram do ataque policiais municipais e também civis, conforme revelaram gravações em poder da procuradoria. Dois normalistas morreram; outros cinco ficaram gravemente feridos.
Os estudantes, aterrorizados, fugiram pela cidade. Mais de quarenta deles ainda não apareceram. Mas a noite de terror ainda não havia terminado. De madrugada, um ônibus que transportava uma equipe de futebol da Terceira Divisão, os Avispones de Chilpancingo, foi assaltado em uma estrada federal. Os atacantes eram homens encapuzados, possivelmente vinculados ao narcotráfico. Um jogador menor de idade, o motorista do ônibus e uma mulher que viajava em um táxi morreram. Ainda que se especule que a agressão tenha ocorrido pelo transporte ter sido confundido com um dos veículos pegos pelos normalistas, as causas desse assalto ainda não foram esclarecidas. Para terminar esse surto de violência, na mesma avenida Periférica Norte na qual foram registradas as mortes dos estudantes, foi encontrado pela manhã um cadáver esfolado e com as órbitas dos olhos vazias. Na segunda-feira foi identificado como um normalista. O terceiro estudante assassinado.
O pânico ocasionado por essas mortes transformou Iguala em uma cidade vazia. Comércios e bares fecharam suas portas. O espanto pelos assassinatos mobilizou as autoridades. Durante o fim de semana, a cidade foi tomada por forças estaduais. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos enviou 10 representantes para esclarecer o ocorrido.
As armas de 300 policiais foram requisitadas para determinar sua responsabilidade nos fatos. Finalmente, 22 foram detidos e enviados para Acapulco diante da possibilidade de uma tentativa de libertá-los. Centenas de pais e amigos dos estudantes saíram às ruas para exigir o esclarecimento dos fatos e o reaparecimento “com vida” dos normalistas desaparecidos. O prefeito de Iguala, José Luis Abarca, sobre quem recai o peso político da barbárie sofrida pelos estudantes, negou-se a pedir demissão e, em um exercício de cinismo, assegurou que na noite dos ocorridos “não ouviu nada”.
Essa onda de violência acontece em um momento especialmente sensível no México. A matança de 22 supostos traficantes por militares em Tlatlaya, em uma área próxima ao estado de Guerrero, colocou o México na mira das organizações humanitárias. Ainda que oito militares tenham sido detidos pelo derramamento de sangue, os relatos de abusos policiais e execuções extrajudiciais são extremamente frequentes e em sua maioria, como alertou o relator da ONU Christof Heyns, ficam impunes.
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