Os últimos 15 dias de Bolívar
O espanhol Fermín Goñi apresenta em seu último romance um libertador latino-americano afastado das grandes façanhas
Para contar os últimos 15 dias da vida de Simón Bolívar, o escritor e jornalista Fermín Goñi (Pamplona, 1935) viajou para a Quinta de San Pedro Alejandrino, em Santa Marta, Caribe colombiano, no qual conseguiu uma permissão para permanecer 18 horas seguidas. Ali, com uma câmera de vídeo e duas de fotografia viu o sol se pôr ao lado dos tamarindeiros nos quais pendurou a rede do Libertador e também de seu quarto, que permanece intacto desde aqueles dias no final de 1830.
“Tinha que estar, sem sombra de dúvida, no local aonde morreu. Saber por onde sai o sol, como esquenta, se existem tempestades. Agora a Quinta se transformou em um museu que tem um certo aspecto de parque temático, mas o quarto de Bolívar segue com as medidas extras”, disse Goñi horas antes de lançar em Bogotá seu romance Tudo Levará seu Nome (Roca Editorial), e que chegará na Espanha no fim do ano.
O Bolívar de Goñi é o homem de carne e osso, afastado da situação das grandes façanhas militares. “É o Bolívar misantropo, que pensa que vai ser capaz de vencer a enfermidade (tuberculose), que se automedica porque nunca confiou nos médicos. O que acredita que seu problema é uma bílis ruim e que deveria expulsá-la. Mas na realidade tinha o pulmão cheio de pus. Não havia remédio”.
Goñi faz outro esclarecimento: “Quando Bolívar fala, Bolívar fala”
Durante a apresentação do romance em uma livraria na região norte de Bogotá, o jornalista e também escritor Mauricio Vargas, autor de uma trilogia dedicada aos próceres da América, o definiu como um Bolívar de “osso com pele” e perguntou se por acaso o Libertador não merecia uma morte diferente. “Foi triste, tristíssima”, disse Goñi. Uma tristeza que, para Vargas impregna todo o romance.
Mas a enfermidade se junta com o que Goñi chama de “um padecimento moral enorme”. Dois anos antes de terminar em uma cama em Santa Marta, tentaram assassiná-lo em Bogotá e desconfiava de todos. “Nas últimas semanas não queria ver ninguém, achava que todos que não conhecia eram Santander, que voltava para matá-lo”, conta o escritor, que se declara fascinado pelos próceres latino-americanos. Talvez mais do que Bolívar, por Francisco de Miranda, a quem dedicou Os Sonhos de um Libertador (2009), um personagem que para Goñi é o verdadeiro induzidor da revolução, essa que compreende a parte final da presença espanhola na América Latina e na qual “poucas pessoas conseguiram com poucos meios e tempo conseguir a liberdade de um território tão vasto”.
Entretanto, Bolívar queria fugir da América que surgiu, por isso Goñi fala em seu romance dessa última viagem para parte alguma, do homem que segundo escreve conseguiu expulsar os militares espanhóis do sul do continente americano após treze anos de guerra, mas que, por outro lado, não conseguiu a paz entre seus concidadãos. Um Bolívar que se dá conta que a união dos países americanos não iria ocorrer. “E os anos lhe deram razão. Ainda que hoje existam tratados de união entre diversos países na América Latina, não existe um que possa unir todos. Pode ser uma tarefa louvável mas titânica, se não impossível”.
Tudo Levará seu Nome é a narrativa atrás do Libertador que Goñi reconstrói com a paixão do repórter mas com um ingrediente adicional, porque esse romance não é somente ver o prócer abandonar-se à morte. Será o médico francês que o atende, o único que Bolívar o deixa medicar ainda que a contragosto, quem acenderá a faísca de saber como tudo começou.
O escritor contará então como caiu nas mãos do prócer um mapa feito por mando do rei da Espanha, que descobriu a enormidade do que era a América. “Não foi a fonte de inspiração, mas sim uma das faíscas que acendeu a mecha”, diz. Um mapa que o escritor se orgulha de ter em seu poder.
Goñi também escolheu contar como Bolívar, buscando fortalecer seu exército, ordena que seu representante em Londres organize uma partida de navio na qual se encontram militares, em sua maioria irlandeses, e também aventureiros. “Nos livros de história o papel dos mercenários britânicos praticamente não aparece, mas existiram, e uma prova é que no final dos dias de Bolívar, o coronel Belford Hinton Wilson estava junto com ele, e que tinha apenas 17 anos quando o general O’Leary chegou a conhece-lo, que é quem recupera toda a correspondência do Libertador”.
Goñi faz outro esclarecimento: “Quando Bolívar fala, Bolívar fala”. Isso significa que longe da ficção, as palavras de seu Bolívar são as de Bolívar, um mortal, afastado deste “bolivarismo que parece ser hoje uma religião, e seu principal profeta o ex-presidente Hugo Chávez”. E acrescenta que é preciso deixá-lo em paz, sem mais exumações.
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