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Vítimas da Colômbia contam seu drama na frente de seus carrascos em Cuba

Pela primeira vez tomam a palavra nos diálogos em Havana, na frente de membros das FARC

Constanza Turbay, Jaime Peña, Ángela Giraldo e José Antequera, da comissão de vítimas do conflito armado na Colômbia.
Constanza Turbay, Jaime Peña, Ángela Giraldo e José Antequera, da comissão de vítimas do conflito armado na Colômbia.A. E. (EFE)

A guerrilha das FARC exterminou a família de Constanza Turbay. Primeiro foi seu irmão Rodrigo, um deputado do estado de Caquetá que passou quase dois anos sequestrado e depois foi encontrado afogado. Três anos depois, Diego, seu outro irmão e sua mãe, Inés, foram assassinados junto com outras cinco pessoas quando se dirigiam a uma reunião política por uma estrada desta região da selva da Colômbia. Passaram-se 19 anos e Constanza, a única sobrevivente dessa família de políticos liberais, conseguiu se encontrar cara a cara com seus verdugos. Foi no sábado em Havana (Cuba), no marco das negociações entre o governo colombiano e as FARC.

Outras 11 vítimas da violência participaram nesse encontro considerado histórico por um país que padeceu durante 50 anos de uma guerra que causou mais de seis milhões de vítimas. Durante 10 minutos, cada uma destas 12 vítimas pôde dizer aos representantes da guerrilha e do Governo o que sentia e o que espera das negociações de paz que acontecem em Havana deste novembro de 2012. A sessão, a portas fechadas, começou com um minuto de silêncio onde vítimas e negociadores, de pé em círculo, se deram as mãos.

“É o encontro mais importante e transcendental de toda minha vida”, confessou a única sobrevivente dos Turbay em uma apresentação depois do encontro, que durou mais de 10 horas. Também contou que, em um recesso, Luciano Marín, Iván Márquez, número dois das FARC, pediu perdão a ela. “Aproximou-se com sentimentos sinceros. Não foi um perdão mecânico, foi um perdão vindo do coração”, segundo ela. Contou que Márquez disse que o assassinato de sua família foi “um equívoco”.

Yaneth Bautista, cuja irmã foi torturada e assassinada por membros da Fuerza Pública.
Yaneth Bautista, cuja irmã foi torturada e assassinada por membros da Fuerza Pública.EFE

Foi difícil para esse grupo de vítimas enfrentar os que foram responsáveis por sua dor. Tratou-se de um encontro emotivo marcado pelas lembranças. Entre os 12, há cinco afetados pelas FARC; quatro, por agentes do Estado; dois, por paramilitares e uma, por vários grupos, reflexo do grande universos de civis que foram golpeados pela guerra. O grupo, no final do encontro, se declarou “unido na dor”, sem importar seu verdugo, e pediu a reconciliação e o perdão, inclusive pediu aos que se opõem ao processo de paz que o considerem como a última oportunidade de superar as diferenças, como eles mesmos estão fazendo.

Ángela María Giraldo, irmã de um político sequestrado pela FARC em 2002 e assassinado em 2007 depois de cinco anos em cativeiro, reconheceu que têm um compromisso que está acima de seus sentimentos pessoais. “Há um compromisso absoluto das vítimas de perdoar, de chegar a essa ansiada reconciliação com o fim de que se possa chegar à paz em nosso país”, disse Giraldo, que como o resto compareceu no encontro com a imprensa segurando flores brancas.

Também foram a Havana os representantes da ONU na Colômbia, que tiveram a difícil tarefa de selecionar este dezena de vítimas e escolherão as outras 48 que viajarão a Cuba nos próximos meses enquanto os negociadores debatem como ressarcir os afetados pelo conflito. Fabrizio Hochschild, da ONU, ressaltou o respeito e a humildade com que as FARC e o Governo escutaram as vítimas. “Eles manifestaram que querem trabalhar para que os processo de paz assegure que nunca mais tenhamos que viver estas situações de dor”, explicou.

Nelly González, mãe de um assassinado pelas FARC, lê seu depoimento.
Nelly González, mãe de um assassinado pelas FARC, lê seu depoimento.Efe

Yaneth Bautista, irmã de uma guerrilheira do desmobilizado M-19 que foi sequestrada, torturada e assassinada por agentes do Estado, destacou esse respeito com o qual foram escutados e acrescentou que não tem sentimentos de vingança. “Este é nossa contribuição à democracia (...), tiramos do fundo de nosso coração, de nossa dor, o melhor de nós mesmos para este país”, acrescentou ao final da jornada, onde várias delas leram um comunicado no qual convidaram “todas as vítimas” para que façam “uma causa comum”.

Este primeiro grupo instou todos os colombianos a acompanha-los na reivindicação de seus direitos. E pediram aos negociadores que incorporem suas propostas aos acordos de paz. “Eu já perdi tudo, mas podemos fazer muito em honra de todos esses seres queridos que perdemos para reconstruir a paz e a reconciliação”, disse Consuelo Turba, citada pelos meios de comunicação locais.

Verdade, justiça e reparação

Que as vítimas do conflito armado na Colômbia participem das conversas entre o Governo e as FARC é inédito não só para um país com 222.000 mortos no conflito, mas para o mundo. A alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, enfatizou que o testemunho direto das vítimas, justo quando se debate a criação “dos mecanismos que os empoderarão para responder seu sofrimento”, não tem precedentes.

A agenda das negociações de paz é composta por cinco pontos. As partes conseguiram acordos parciais em três deles: desenvolvimento agrário, participação na política e narcotráfico. A sociedade civil participou enviando suas propostas para Havana, mas sem mandar representantes. Os grandes assuntos pendentes são ressarcir as vítimas da guerra e decidir como desmobilizar os guerrilheiros. Os dois são cruciais, mas o primeiro ocupa o centro do diálogo.

Foi no princípio de junho, antes que se começasse o diálogo sobre as vítimas – e dias depois do primeiro turno das eleições presidenciais nas quais Juan Manuel Santos ficou em segundo – quando os negociadores de paz anunciaram que seriam organizados na Colômbia quatro grandes foros que finalmente reuniriam mais de 3.000 vítimas de todo o país. Ali mostraram suas propostas sobre o que esperam em termos de verdade, justiça e reparação. Também se anunciou que 60 deles viajariam para se encontrar cara a cara com seus algozes.

Ontem, no dia seguinte ao encontro com as primeiras 12 vítimas, as delegações do Governo de Santos e das FARC agradeceram seu testemunho e se comprometeram a fazer com que suas propostas sirvam de “insumo” para a discussão sobre como serão reparadas. E lembraram que receberam mais de 5.000 propostas através de uma página da internet. “Recebemos suas manifestações de dor e suas demandas como um imperativo moral e ético para concluir com sucesso estas conversações”, disse um comunicado conjunto.

220.000 mortos desde 1958

  • O Centro Nacional de Memória Histórica da Colômbia compilou os dados desde 1958 até 2012 de um conflito que custou a vida de 218.094 pessoas.
  • Somente 19% eram combatentes. Os civis falecidos chegam a 177.307.
  • Desde 1970 até 2010 foram sequestradas 24.482 pessoas pelas guerrilhas e 2.541 pelos paramilitares.
  • Desde 1985 até 2012 foram registrados 1.982 massacres, com um total de 11.751 vítimas. No mesmo período houve 1.754 vítimas de violência sexual e 25.007 desaparecimentos forçados
  • O conflito provocou o deslocamento forçado de 5.712.506 pessoas
  • As minas antipessoais causaram 2.119 mortos e 8.070 feridos desde 1988.
  • 5.156 pessoas foram recrutadas ilegalmente pelas facções em luta.

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