“Agora é todo mundo Holanda, mais do que nunca”
Como uma possível vitória da Argentina no próximo domingo afetaria o quase destruído orgulho nacional pelo futebol
"Continuo sem poder acreditar... Em 40 anos vamos lembrar perfeitamente onde e com quem vimos este jogo...". Marcelo, dono de uma ótica no bairro de Botafogo, parece concordar com Fred, o desenganado centroavante da seleção, segundo o qual a derrota do estádio Mineirão "será uma cicatriz marcada por toda a vida". Wellington, um cliente universitário da loja, admite exaltado: "não consigo nem imaginar... só sei que agora é todo mundo Holanda, mais do que nunca". Joanna, outra cliente, pergunta do outro balcão: "Mas então não teria jogo Brasil-Argentina no fim de semana". "Não importa", interrompe o dono. "O mais importante agora é que a Argentina perca".
Nas ruas do Rio uma das palavras mais ouvidas ontem era "Argentina". O medo genético, quase ancestral, de uma possível vitória alviceleste na catedral do futebol no próximo domingo experimentou um surto por um período de várias horas, cuja duração ainda era impossível determinar na tarde desta quarta. O ex-campeão mundial Mauro Silva confessou a este jornal, há algumas semanas, que "como ex-futebolista brasileiro, meu primeiro desejo quando começa uma Copa é que a Argentina seja eliminada, especialmente se for na minha casa". "Vamos ter tempo para entender o que aconteceu ontem à noite," conclui Marcelo, ligeiramente desconfortável com uma conversa sem saída fácil: em que estado Messi e sua turma iriam encontrar os jogadores brasileiros no sábado, em Brasília? Como uma possível derrota em casa afetaria o quase destruído orgulho nacional?
Nos jornais e em alguns dos incessantes debates televisivos que preencheram a monumental ressaca canarinha havia termos que competiam em frequência com "Argentina": "crise", "reforma", "renovação", "Felipão", "humilhação" e "histórico". Como dizia o colunista da Folha Antero Greco: "1950 terminou em 8/7/2014 [...] A alma de Barbosa finalmente pode descansar em paz". O Maracanazo já pertence ao passado. Seguindo fielmente o primeiro princípio da termodinâmica, a maldição vivida pelo goleiro Barbosa até a sua morte, 40 anos após o gol do uruguaio Ghiggia em 1950, foi transformada após a Copa das Copas em uma catástrofe esportiva coletiva de proporções ainda mais sangrentas, diante de centenas de milhões de espectadores atônitos em todo o planeta, justo quando as autoridades brasileiras alardeavam o sucesso organizacional e desportivo de um torneio que tivera péssimos prognósticos.
Delio Urpia de Seixas, de 85 anos, um economista aposentado que testemunhou a derrota de 1950 e há 70 anos assiste partidas semanalmente, diz a este jornal que "esta catástrofe é muito maior que a do Maracanã. Em 1950, o Brasil perdeu a final, mas jogava muito bom futebol; melhor do que todos os outros. A derrota veio por uma infelicidade. O povo chorou muito mais, perdemos com dignidade. Desta vez, a derrota inexplicável por 7 a 1 nos deu muita vergonha. Os treinadores não souberam ajeitar a equipe. O Brasil teve muita dificuldade para ganhar do Chile e da Colômbia. Não pôde contra o México e o jogo contra a Croácia foi roubo. Quando encontrou um adversário realmente bom, aconteceu o desastre".
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