Silêncio de morte no Mineirão
Os torcedores brasileiros se angustiam com a falta de jogo de sua seleção e mostram descontentamento com substituições de Scolari
Algum psicólogo deve ter dito aos jogadores brasileiros que entrassem em campo em fila indiana, um com a mão no ombro do outro, para, dessa forma, sentirem que se conectavam de corpo e alma. Quando não é um círculo místico, é uma prece coletiva, ou uma linha de contato espiritual. Cada ano que passa, surgem no Brasil dezenas daquilo que os teólogos chamam de pararreligiões, e na seleção se recriam rituais novos, formalismos vazios. A Família Felipão e seus coroinhas se empenham nessas coreografias. O futebol lhes importa menos do que ganhar, porque a vitória tem um efeito propagandístico e sedativo que convém à organização, ao Governo, à Globo, à CBF e à FIFA.
Todos os contextos importam mais que o futebol ao Brasil. De outro modo, não se explica que Neymar e David Luiz terminassem o jogo abraçados de joelhos, chorando. O susto que levaram foi monumental. Porque sua seleção foi incapaz de dominar o Chile com um bom jogo e se condenou à angústia. Quando o árbitro, Howard Webb, assinalou o início da cobrança pênaltis, no Mineirão se fez um silêncio de morte.
David Luiz e Neymar terminaram o jogo chorando de joelhos. O susto que levaram foi monumental
Antes dos pênaltis houve angústia. O 1x1 ficou engasgado, como uma pistola emperrada, e o público, que chegou ansioso, começou a ficar histérico. Na hora do jogo, o estádio virou uma caixa de vaias. Aos 28 minutos do segundo tempo, a multidão apelou para a magia. Sem um bom futebol, que outra coisa o público poderia fazer? Nesse momento, os torcedores cantaram o hino nacional de forma espontânea. Todo o estádio, flutuando em êxtase, interpretou à capela: “Ouviram do Ipiranga...” Como o grito de Dom Pedro, o monarca tropical. Com paixão. Com muita paixão. Essa energia que impõe David Luiz, celebrando o gesto, energia da qual a imprensa tanto gosta. Essa força tremenda a serviço do anedótico. Se há alguma novidade nesta Copa do Mundo, é a devoção com que o público canta os hinos pátrios.
Acabou o tempo regulamentar e alguém no anel superior do Mineirão estendeu uma grande bandeira verde-amarela com o retrato de um mineiro ilustre: Pelé. Sorridente, o fundador do maior mito criado pela nação brasileira parecia contemplar a cena. Um cenário terrível a seus pés. Uma equipe sem classe no mundo da exuberância futebolística, um jogo cativo, uma saga de ideólogos medíocres, ou corruptos, e uma torcida deslumbrada por colecionar Copas, mais que pela bola. Era como se toda a vulgaridade do futebol contemporâneo tivesse se concentrado ali, ao ritmo de We Are One, de Pitbull, Jeniffer López e Claudia Leitte, a música oficial.
Como tudo tem um limite, na metade da prorrogação o público se voltou contra Scolari. Ele foi vaiado pela primeira vez ao substituir Oscar por Willian. O técnico queria ganhar de qualquer maneira. À uruguaia. E o público aqui é do Brasil. A equipe mais lendária da história acabou fazendo chuveirinhos para a área enquanto a arquibancada insistia em um clamor: “Eu acredito!” Acreditavam. Tinham fé na vitória. Em outro triunfo para o esquecimento.
O arquiteto que projetou o Mineirão há 40 anos deve ter se inspirado no efeito expansivo de certas explosões atômicas. O estádio tem um ar assustador e lúgubre. Neste sábado, faltou pouco para que ele se convertesse no cenário do fim de um mundo. O mundo que desvirtuou a obra imortal de Pelé.
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