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Silêncio de morte no Mineirão

Os torcedores brasileiros se angustiam com a falta de jogo de sua seleção e mostram descontentamento com substituições de Scolari

Diego Torres
Os torcedores brasileiros recordam Pelé.
Os torcedores brasileiros recordam Pelé.REUTERS

Algum psicólogo deve ter dito aos jogadores brasileiros que entrassem em campo em fila indiana, um com a mão no ombro do outro, para, dessa forma, sentirem que se conectavam de corpo e alma. Quando não é um círculo místico, é uma prece coletiva, ou uma linha de contato espiritual. Cada ano que passa, surgem no Brasil dezenas daquilo que os teólogos chamam de pararreligiões, e na seleção se recriam rituais novos, formalismos vazios. A Família Felipão e seus coroinhas se empenham nessas coreografias. O futebol lhes importa menos do que ganhar, porque a vitória tem um efeito propagandístico e sedativo que convém à organização, ao Governo, à Globo, à CBF e à FIFA.

Todos os contextos importam mais que o futebol ao Brasil. De outro modo, não se explica que Neymar e David Luiz terminassem o jogo abraçados de joelhos, chorando. O susto que levaram foi monumental. Porque sua seleção foi incapaz de dominar o Chile com um bom jogo e se condenou à angústia. Quando o árbitro, Howard Webb, assinalou o início da cobrança pênaltis, no Mineirão se fez um silêncio de morte.

David Luiz e Neymar terminaram o jogo chorando de joelhos. O susto que levaram foi monumental

Antes dos pênaltis houve angústia. O 1x1 ficou engasgado, como uma pistola emperrada, e o público, que chegou ansioso, começou a ficar histérico. Na hora do jogo, o estádio virou uma caixa de vaias. Aos 28 minutos do segundo tempo, a multidão apelou para a magia. Sem um bom futebol, que outra coisa o público poderia fazer? Nesse momento, os torcedores cantaram o hino nacional de forma espontânea. Todo o estádio, flutuando em êxtase, interpretou à capela: “Ouviram do Ipiranga...” Como o grito de Dom Pedro, o monarca tropical. Com paixão. Com muita paixão. Essa energia que impõe David Luiz, celebrando o gesto, energia da qual a imprensa tanto gosta. Essa força tremenda a serviço do anedótico. Se há alguma novidade nesta Copa do Mundo, é a devoção com que o público canta os hinos pátrios.

Acabou o tempo regulamentar e alguém no anel superior do Mineirão estendeu uma grande bandeira verde-amarela com o retrato de um mineiro ilustre: Pelé. Sorridente, o fundador do maior mito criado pela nação brasileira parecia contemplar a cena. Um cenário terrível a seus pés. Uma equipe sem classe no mundo da exuberância futebolística, um jogo cativo, uma saga de ideólogos medíocres, ou corruptos, e uma torcida deslumbrada por colecionar Copas, mais que pela bola. Era como se toda a vulgaridade do futebol contemporâneo tivesse se concentrado ali, ao ritmo de We Are One, de Pitbull, Jeniffer López e Claudia Leitte, a música oficial.

Como tudo tem um limite, na metade da prorrogação o público se voltou contra Scolari. Ele foi vaiado pela primeira vez ao substituir Oscar por Willian. O técnico queria ganhar de qualquer maneira. À uruguaia. E o público aqui é do Brasil. A equipe mais lendária da história acabou fazendo chuveirinhos para a área enquanto a arquibancada insistia em um clamor: “Eu acredito!” Acreditavam. Tinham fé na vitória. Em outro triunfo para o esquecimento.

O arquiteto que projetou o Mineirão há 40 anos deve ter se inspirado no efeito expansivo de certas explosões atômicas. O estádio tem um ar assustador e lúgubre. Neste sábado, faltou pouco para que ele se convertesse no cenário do fim de um mundo. O mundo que desvirtuou a obra imortal de Pelé.

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