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‘Maracanazo’ político?

No país do futebol, o esporte e a política se misturam assim como o amor pela seleção e a raiva pelos gastos bilionários na Copa de 2014

Pelé comemora conquista de 1970.
Pelé comemora conquista de 1970.AP

O sentimento dividido, de amor e ódio pelo maior campeonato de futebol do mundo e pela seleção brasileira e o que ela representa, pode ver-se refletido nas eleições. Desde 1994 a Copa coincide com o encontro eleitoral, a cada quatro anos. Naquela ocasião, Fernando Henrique Cardoso venceu assim como a seleção, que costurou sua quarta estrela na camisa amarela. Já em 2002, ano do pentacampeonato, o Brasil elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, e a seleção trouxe o caneco dourado para o primeiro presidente de esquerda que o país teve – sem esquecer a memorável cambalhota de Vampeta no Palácio do Planalto, em Brasília.

O maracanazo político já funcionou e surpreendeu nos dois sentidos, por isso é arriscado relacionar futebol e política neste caso. As previsões, que nunca foram fáceis, para este ano são ainda mais difíceis, dizem os especialistas, pela efervescência social que o Brasil vive desde os protestos de junho do ano passado. E, principalmente, por esta Copa em concreto ter uma relação econômica direta com os cofres públicos, apontam. Até agora, apenas a oposição usou a Copa a seu favor, para criticar o governo do PT.

O mundo esperava que o país-referência do futebol vibrasse com o grande e mais esperado evento e não que discutisse política. Mas os gastos exorbitantes com estádios e aeroportos, sem contar as obras de infraestrutura prometidas que não ficaram prontas a tempo para o evento, fizeram com que o alarme da indignação do brasileiro chegasse ao grau máximo. A presidenta Dilma Rousseff é a bola da vez, em quem a sociedade despeja toda sua inconformidade, mesmo sabendo que a organização da Copa tem vários responsáveis, entre eles os Governos estaduais, municipais e a FIFA.

Caso o Brasil ganhe a Copa, pode haver um pequeno respiro para ela. “É difícil de dizer, mas podemos pensar que Dilma chegará ao segundo turno, porque terá uma sobrevida pelo resultado positivo do torneio”, diz Flávio de Campos, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol da Universidade de São Paulo. Já o historiador Hilário Franco Júnior, autor de A Dança dos deuses, acredita que “pela história, não há uma regra clara. Se o Brasil ganhar, essa insatisfação ficará abafada por algumas semanas, talvez alguns meses”, o que poderia levar a presidenta ao segundo turno das eleições. Caso a seleção perca, “a sociedade reagirá, com muita força”, aposta Júnior.

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O futebol no Brasil sempre teve uma relação íntima com a política e foi utilizado em grande medida durante a ditadura militar (1964-1985) para configurar o ufanismo de uma nação construída por negros, índios, portugueses, e tantas outras nacionalidades. A construção da identidade foi questionada na época pelos intelectuais, que entendiam que torcer pelo Brasil era torcer por um regime com o qual discordavam. Tanto foi assim que que o meia Zico não compôs o time olímpico em 1972 nem a seleção em 1974, justamente pelo histórico opositor de seu irmão, o centroavante do Fluminense, Fernando Antunes Coimbra, que contou sua versão dos fatos recentemente em uma mesa redonda no Museu da Resistência, em São Paulo.

Um esporte de origem amadora que conseguiu superar as barreiras elitistas de berço para cair no gosto popular era o instrumento ideal para agregar e unir pessoas em torno de um ideal comum: conquistar a Copa do Mundo. O campeonato foi usado também pelos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, que se aproveitaram das situações favoráveis da seleção de 1958 e 1962, com os memoráveis Pelé e Garrincha no elenco. “É por isso que dizemos Brasil ao invés de seleção brasileira. É como se o país estivesse em campo”, explica Campos.

O fato do evento ser realizado no Brasil fez com que todos os problemas nacionais se evidenciassem – e não somente para os brasileiros. A agenda esportiva está vinculada à política desde 2007, ano em que o Brasil soube que seria a sede da Copa. E o futebol, neste caso, dramatiza todos esses conflitos sociais. “A tendência é que este mau humor dos movimentos populares, dessa mobilização social que é também uma desmobilização torcedora, seja ampliado” até o final da Copa, afirma Campos. A metáfora de um time de futebol, formado muitas vezes por jogadores de origem humilde, pode ser a metáfora de um Brasil que também está chutando a bola para superar a pobreza – e todos os demais problemas.

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