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As hesitações europeias perante a Ucrânia impacientam os EUA

O Governo Obama mantém um intenso debate sobre a resposta adequada a Putin

Marc Bassets
O presidente dos EUA, Barack Obama, e a chanceler alemã, Angela Merkel, em junho de 2013, em Berlim.
O presidente dos EUA, Barack Obama, e a chanceler alemã, Angela Merkel, em junho de 2013, em Berlim.ODD ANDERSEN (AFP)

Os mal-entendidos entre os Estados Unidos e a Europa, uma constante na política internacional das décadas recentes, ressurgiram por causa do conflito na Ucrânia. Nada comparável às tensões pela guerra do Iraque, nem sequer pela espionagem da NSA, mas as dúvidas dos grandes países europeus na hora de aprovar sanções mais duras contra a Rússia do presidente Vladimir Putin, como deseja a Administração Obama, começam a impacientar os norte-americanos.

O estereótipo de uma Europa alérgica ao conflito e sempre disposta a contemporizar com regimes autoritários – algo cultivado com esmero pela Administração Bush na década passada, durante a guerra do Iraque – volta a circular por Washington. O presidente dos EUA , Barack Obama, tentará na sexta-feira demonstrar unidade perante Putin com a chanceler Angela Merkel, sua interlocutora privilegiada nesta crise.

Merkel visita a Casa Branca dias depois de os Estados Unidos e a União Europeia (UE) aprovarem uma nova rodada de sanções financeiras à Rússia, que apontam para pessoas importantes no entorno do presidente Putin, mas evitam punições a setores econômicos inteiros, como o energético. A possibilidade de uma ajuda militar ao Governo da Ucrânia para conter o assédio russo fica descartada por enquanto.

“Já foram decididas novas sanções: acredito que com isso seja suficiente”, disse em Washington nesta semana Horst Teltschik, ex-assessor de segurança do chanceler democrata-cristão Helmut Kohl. Membro do establishment alemão pró-OTAN, Teltschik foi o negociador de Kohl nos momentos mais delicados do final da Guerra Fria e organizou durante anos a Wehrkunde, o Davos da defesa realizado anualmente em Munique. “Não sou a favor de sanções, porque ferem o próprio autor. O dano à Rússia é mínimo”, argumentou.

Veteranos do fim da guerra fria lamentam a tensão com Moscú e pedem diálogo

Teltschik não representa a chanceler Merkel, embora se movimente na esfera do seu partido, o CDU. Mas ele representa aquilo que o senador republicano John McCain – candidato à Casa Branca em 2008 e o mais influente dos falcões no Capitólio – denomina, com desprezo, de “o complexo industrial” que segundo ele “parece governar” a Alemanha hoje, e que estaria impedindo os EUA e seus aliados europeus de aprovarem sanções mais contundentes contra Moscou.

As reticências não se explicam só pela dependência do gás russo. Cerca de 6.500 empresas alemãs fazem negócios com a Rússia, segundo Teltschik. “Sem dúvida, isto é muito negócio”, diz. “Mas também temos intercâmbios juvenis, culturais e científicos.” O diálogo, observa ele, foi crucial para que o desmoronamento da União Soviética ocorresse sem traumas. “Em 1990, o chanceler Kohl assinou 22 tratados e acordos com a Rússia”, diz. “Só havia um objetivo: alinhar a Rússia [à Europa e aos EUA ].”

Não lhe inquietam as imagens recentes de outro ex-chanceler, o social-democrata Gerhard Schröder, festejando seu 70º aniversário com Putin em São Petersburgo. “Se houver uma oportunidade para falar da Ucrânia com Putin de maneira razoável, deixemos celebrar o aniversário juntos. Putin é muito melhor que os Brejnevs e Andropovs. Conheci esses tipos…”, diz, rememorando os velhos líderes soviéticos.

O 'halcón' McCain achaca a

Outro veterano daqueles tempos, o general Brent Scowcroft – artífice, junto do ex-presidente George Bush pai e outros, da vitória ocidental na Guerra Fria –também incentiva o diálogo. “Deveríamos falar com Putin. Não acredito que devamos transformar isto em uma nova Guerra Fria”, diz o republicano Scowcroft, que foi assessor de segurança nacional dos presidentes Gerald Ford e Bush pai. Ele, como Teltschik, aprecia o valor da cooperação com a Rússia, que permitiu acabar a Guerra Fria sem violência.

As conversas com Teltschik e Scowcroft – veteranos cold warriors, ou combatentes da Guerra Fria – ocorreram nos corredores do Conselho Atlântico, um think tank de Washington, onde ocorria uma conferência sobre os EUA e a Europa. Perante o mesmo fórum, o secretário de Estado John Kerry descreveu a instabilidade na Ucrânia como “um alerta” para que a aliança transatlântica seja reforçada e, depois de duas décadas ocupada em missões de paz e guerras em países fora de seu território natural, que seja reavivada a missão da OTAN: defender as fronteiras dos países membros.

A divisão não é unicamente entre a Europa – mais precavida – e os EUA . Também é uma divisão entre os países vizinhos da Rússia, que se sentem ameaçados pela agitação na Ucrânia, e os países com economias entrelaçadas com a russa (Alemanha) ou com interesses financeiros em uma boa relação com Moscou (Reino Unido).

E é uma divisão dentro da própria Administração Obama, entre quem pede sanções mais duras e quem, como o presidente, prefere defini-las em consenso com a UE, como até agora. As sanções unilaterais dos EUA facilmente levariam Putin a fomentar a divisão na OTAN. A desvantagem de manter as fileiras cerradas – e, portanto, conformar-se com o mínimo denominador comum na hora de punir Putin – é que o democrata Obama pode acabar refém dos frustrantes processos decisórios dos 28 países da UE, quase como um membro adicional do clube.

Zbigniew Brzezinski, que é ao lado de Scowcroft um dos últimos sábios da política externa norte-americana, aconselha Obama a ir um passo à frente da UE. Acredita que os europeus acabarão por segui-lo. No Conselho Atlântico, Brzezinski, que foi assessor de segurança nacional do presidente Jimmy Carter e é de origem polonesa, recordou uma recente e significativa conversa entre um destacado político alemão e um executivo da multinacional alemã Siemens:

“Isso é terrível”, disse o executivo após escutar uma diatribe contra Putin. “Acabamos de ir a Moscou e temos interesses importantes na Rússia.”

“O que você diz é interessante”, respondeu-lhe outro dos presentes, o norte-americano Robert Zoellick, ex-presidente do Banco Mundial. E perguntou: “Qual percentual das suas vendas e acordos globais são com a Rússia?”

“2%”, respondeu o executivo da Siemens.

“E quanto conosco?”, insistiu Zoellick, referindo-se aos negócios com os EUA .

“20%”.

Brzezinski relatou ao público do Conselho Atlântico que nesse momento houve silêncio na sala. E acrescentou: “Todo mundo tinha entendido a mensagem. É recomendável aprender a calcular quais são seus interesses”.

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