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O diálogo com o Governo aumenta o racha dentro da oposição venezuelana

Os moderados retomam o protagonismo, que havia sido perdido há dois meses para os mais radicais

Ramón Guillermo Aveledo, durante o diálogo com o Governo.
Ramón Guillermo Aveledo, durante o diálogo com o Governo.M. GUTIERREZ (EFE)

A volta à realidade depois do recesso de Páscoa traz uma certeza: o racha na oposição venezuelana se aprofundou, como consequência das posturas irredutíveis em relação ao diálogo convocado pelo Governo. Basta um fato e o seu desenvolvimento para evidenciar isso. Na Sexta-Feira Santa cumpriram-se dois meses da detenção de Leopoldo López, o líder político venezuelano que convocou os protestos de rua contra o Governo do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Na terça-feira, dia da última reunião com as autoridades nacionais, a Mesa da Unidade Democrática (MUD), a coalizão de partidos políticos da oposição que mantém conversas com o Governo com o auspício do embaixador do Vaticano em Caracas e os chanceleres de Brasil, Colômbia e Equador, tratou de propor sua libertação no enquadramento de uma Lei de Anistia para todos os presos políticos. A proposta não foi aceita pela contraparte.

Com López preso crescem as dúvidas do setor mais radical da oposição venezuelana sobre os poderes paliativos do diálogo para se resolver a crise. Essa era uma das condições propostas pelo partido Vontade Popular, de López, para se somar à delegação que já se reuniu em duas ocasiões com a equipe designada por Maduro. Com sua ausência e a dos estudantes universitários opostos ao Governo, os moderados reconquistaram o protagonismo perdido há dois meses com López e a cassada deputada María Corina Machado como os líderes da oposição.

A ala radical da oposição não está tão otimista com a situação depois do diálogo

“A liberdade de Leopoldo é um ponto fundamental para nós, mas estamos buscando a maneira de concretizá-la”, admite Ramón Guillermo Aveledo, secretário da MUD, em uma entrevista a este jornal. Que isso não se tenha conseguido inclusive antes de se sentarem à mesa alenta as dúvidas do setor que considera que o diálogo oxigena o chavismo. Há outra razão talvez mais poderosa. “O Governo segue muito atrelado a seu modelo econômico e não admite que esse modelo é a causa dos problemas do país”, explica Aveledo. “O pacto sobre um modelo econômico comum a todos os venezuelanos demandará muita criatividade política para se resolver problemas e avançar sem que ninguém se sinta derrotado”, agrega.

Esse reconhecimento às dificuldades para se pactuar um projeto de país é a base das profundas desavenças que mantêm dividida a sociedade venezuelana. Essa resistência à mudança insufla, além disso, o espírito de insurreição, de proporções muito modestas, dos protestos de rua. No cair da tarde deste sábado em Barquisimeto, no norte da Venezuela, os estudantes saíram para protestar em um bairro de classe média composto por imóveis residenciais de um andar rodeado por edifícios mais luxuosos. Quando a Guarda Nacional pretendia dispersá-los com disparos e bombas de gás os próprios moradores da região levantavam as tampas dos bueiros para impedir que os veículos antimotins perseguissem os jovens. Outros, mais ousados, subiam em seus veículos para ajudá-los a escapar e prestavam apoio logístico para que mantivessem os protestos. Os manifestantes e seus mecenas são pessoas que não creem nos atos de contrição que estão sendo feitos pelo Governo e estão organizados para ficar na rua por muito tempo.

Nesse enquadramento se desenvolvem as reuniões entre Governo e a Mesa da Unidade. Embora Aveledo prefira não reclamar ganhos, reconhece como um avanço o fato de que o Governo, que se negava a tirar o debate do plano etéreo da discussão ideológica, aceite estender a comissão da verdade e a formá-la com indivíduos confiáveis para as partes e revisar o caso do comissário Iván Simonovis, o preso político mais emblemático dos quinze anos de autodenominada revolução bolivariana.

Estabelecer uma verdade aceita pelas partes envolvidas no conflito nos últimos dois meses é, segundo a opinião de Aveledo, a forma de estabelecer um relato independente que faça o chavismo abandonar a ideia de que exigir a renúncia na rua equivale a um golpe de Estado em câmera lenta. Com essa verdade, pensa Aveledo, a crise pode começar a ser amainada.

A ala mais radical da oposição não é tão otimista. Embora seja partidária do diálogo, considera que seria necessário acumular muito mais força para, então sim, fazer propostas que permitissem mudanças profundas na estrutura do Estado. A deputada cassada María Corina Machado pensa que na Venezuela não há uma institucionalidade que suporte a profundidade dos compromissos adquiridos na reunião da última terça-feira: a urgência legislativa na nomeação dos cargos do Tribunal Supremo de Justiça e do Conselho Nacional Eleitoral, a ação humanitária por motivos de saúde para o preso político mais emblemático do regime chavista, o comissário Iván Simonovis, e a ampliação da Comissão da Verdade. “O diálogo está sendo conduzido de Havana e todos os poderes estão submetidos ao Executivo”, afirma Machado em uma entrevista por telefone.

Para esta semana, Maduro anunciou uma nova ofensiva econômica que lançará na terça-feira, “para equilibrar toda a economia”. Não há detalhes precisos, mas a lembrança mais recente –o confisco de eletrodomésticos para que ficassem com preços estabelecidos pelo Governo, tomada às vésperas das eleições autárquicas de dezembro passado- é um precedente nada alentador em termos do clima do acordo que deveria permear as conversas.

Aveledo está consciente de que a comissão deve produzir resultados imediatos. “Os inimigos do diálogo existem e estão apostando no fracasso desse esforço para seguir com a sua agenda”, diz. A sombra de encontros anteriores que se dissolveram e não resultaram em nada, como o processo conduzido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2003, é a principal dor de cabeça de todos os venezuelanos.

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