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América Latina: a mais urbanizada do mundo, mas não a mais planejada

Mais de 80% dos latino-americanos vivem em cidades onde a insegurança urbana aumentou entre os seus cidadãos

A cidade de Ribeirão Preto, a 336 km de São Paulo.
A cidade de Ribeirão Preto, a 336 km de São Paulo.Nelson Almeida (AFP)

É a cidade perfeita. Não há quase crime, nem engarrafamentos, nem contaminação ou sujeira, e o lixo é recolhido a tempo. O transporte público é pontual e sempre há onde se sentar. É o triunfo do planejamento urbano.

A boa notícia: há várias cidades do mundo que poderiam competir pelo título de a Mais Planejada; a má: que nenhuma é latino-americana, ao menos por enquanto.

Zurique, Singapura, Seúl, Búfalo (em Nova York) aparecem constantemente nas discussões e rankings especializados como as cidades mais planejadas do mundo. E o que as une é justamente a ideia de que a cidade é o “lar” de seus residentes e que está ali para servi-los, e não para atuar como um inimigo.

Isto cobra particular relevância na América Latina, a região mais urbanizada do mundo, onde 80% da população –cerca de 450 milhões de pessoas- vivem nas cidades.

Enquanto a falta de segurança aparece sistematicamente entre as principais preocupações dos latino-americanos, há outro tipo de insegurança da qual se fala pouco mas que também supõe uma ameaça para o bem-estar dos cidadãos. Trata-se, efetivamente, da estrutura e organização das cidades.

Os avanços sociais e econômicos da América Latina durante a última década não vieram acompanhados de um melhor planejamento dos grandes centros urbanos, e alguns resultados visíveis são o caótico transporte privado e público, a rápida urbanização sem respeito aos códigos de construção, a deficiente prestação dos serviços públicos e a deterioração dos espaços, entre outros.

Esta situação também gerou problemas para enfrentar eventualidades naturais, como o foi o recente incêndio em Valparaíso, no Chile, as recorrentes inundações em Buenos Aires ou os frequentes desabamentos de terra nas favelas do Rio de Janeiro. De acordo a estimativas do Banco Mundial, as consequências dos fenômenos naturais representam um custo para a região de dois bilhões de dólares anuais.

O déficit em planejamento das cidades se destaca ainda mais quando surgem as seguintes estatísticas: para 2025, 10% da população mundial viverá em apenas 37 cidades. Por isso, arquitetos, geógrafos, engenheiros e governos da região têm o desafio de planejar com eficiência seus centros urbanos para convertê-los em locais mais habitáveis e seguros.

“Na América Latina deveríamos passar por um planejamento mais estratégico e sustentável que, por um lado, mitigue problemas existentes, como o risco de deslizamentos em morros ou falta de capacidade nos sistemas de drenagem, e por outro, que adapte as cidades para que sejam mais resilientes em relação às ameaças climáticas”, explica Santiago E. Arias, especialista em planejamento urbana do Banco Mundial.

Os mais expostos

As ameaças à segurança nas cidades não provêm apenas dos efeitos dos desastres naturais, mas também têm a ver com a construção improvisada: por exemplo, ao construir casas em morros com risco de deslizamentos ou ao lado de rios que costumam transbordar após fortes chuvas.

Embora a maior parte dos habitantes das cidades estejam expostos a esta série de perigos, são os mais pobres que estão expostos à pior parte, já que geralmente vivem em casas mais precárias e desprotegidas. Segundo um relatório de ONU-Habitat de 2012, ao redor de 111 milhões de latino-americanos vivem em bairros marginais.

Como forma paliativa de diminuir os riscos que espreitam este amplo grupo de pessoas, vários países da região estão desenvolvendo projetos para reforçar a segurança nas zonas com habitantes vulneráveis. A iniciativa CAPRA, por exemplo, tenta melhorar as formas de avaliar as ameaças climáticas na Colômbia, Peru, Chile e países da América Central e do Caribe.

O Centro de Inovação Climática do Caribe também está ajudando para que países pequenos da região estejam melhor preparados para enfrentar os efeitos da mudança climática, através da criação de empresas sustentáveis.

De qualquer forma, os especialistas concordam que ainda faz falta um planejamento urbano que integre todos os setores para fazer das cidades latino-americanas locais mais seguros.

“Muitas cidades da América Latina sofrem os piores casos de congestionamentos do mundo. Os problemas de água e saneamento foram um grande problema nas periferias. A mudança climática aumentará os problemas de acesso à água na região”, afirma Xiaomei Tan, especialista do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF, em inglês).

Estudos do Banco Mundial apontam que territórios propensos às secas, especialmente em cidades do Chile, México, Guatemala e El Salvador, serão ainda mais secos. Da mesma maneira, zonas com risco a inundações, como Argentina, Peru e Uruguai, deverão enfrentar chuvas mais intensas.

As cidades latino-americanas dependerão de um melhor planejamento para que estas projeções tão pouco alentadoras não se cumpram, e permaneçam só como maus presságios.

Robert Valls é produtor on-line do Banco Mundial.

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