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Não tenho medo, isso também nos tiraram

O líder opositor venezuelano preso reitera sua inocência e sua confiança em uma mudança política na Venezuela

Leopoldo López
Leopoldo López, em uma manifestação em 18 de fevereiro.
Leopoldo López, em uma manifestação em 18 de fevereiro.carlos garcía rawlins (efe)

Leopoldo Santiago, meu filho de 1 ano de idade, deu seus primeiros passos na prisão militar de Ramo Verde; o contexto fez com que aquilo que normalmente seria um dos momentos mais felizes para um pai fosse para mim um dos mais duros; um momento para refletir, para questionar-me e no final... confirmar o acerto do caminho que tomei, o caminho da luta pelo futuro de meus filhos, da infância e juventude venezuelana, de um povo asfixiado e humilhado que merece liberdade, que merece paz, que merece justiça e a oportunidade de progredir.

Quando tomei a decisão de enfrentar as falsas acusações contra mim, sabia perfeitamente o que me esperava; estava consciente de que seria outra vítima de uma Justiça injusta, de um processo infame, como foram tantos presos políticos vítimas desse regime; que teria de deixar minha família, confiando em que sua fortaleza e amor por nosso país os manteriam em pé; sabia que ficaria em isolamento e solidão, um tempo só definido pelo desejo de mudança do povo venezuelano... Eu decidi assim e não me arrependo.

Tenho muito claro que minha presença na prisão de Ramo Verde não é consequência do ocorrido em 12 de fevereiro, mas o resultado de uma longa perseguição por parte daqueles que não têm razão, de um regime intolerante, repressivo e corrupto. Desde janeiro de 2013, o presidente Maduro me ameaçava mandar à prisão e repetiu muito isso durante todo o ano.Também é importante recordar que o Governo do presidente Chávez me inabilitou para participar das eleições de 2008 para a Prefeitura de Caracas, com 70% de aprovação; e em 2012 a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença a meu favor.

Minha permanência aqui e o ocorrido na procuradoria não são mais do que o claro reflexo de que estávamos certos, de que era necessária essa chama que incendeia nos venezuelanos esse desejo tão latente de conseguir uma mudança social e política. Que meu encarceramento esteja contribuindo em alguma medida para o despertar dos venezuelanos, vale a pena... Saber que além dessas grades a cada dia milhares de venezuelanos exigem nas ruas uma rápida mudança, pacífica e constitucional, vale a pena...Que por fim o mundo comece a prestar atenção ao que sucede na Venezuela, que nossos irmãos além das fronteiras se somem a nosso chamado... vale a pena. Que o dia de amanhã possamos olhar nossos filhos com o rosto erguido por ter lutado por lhes oferecer liberdade e progresso, vale a pena... Que juntos, os venezuelanos, consigamos deixar para trás a história de divisão, violência e corrupção, terá valido a pena.

Depois de mais de 30 dias de isolamento, separado da população carcerária, minha mente e meu espírito se mantêm fortes. Ficou gravada em mim a frase de um cartaz que li em 12 de fevereiro (início dos protestos): “Nos tiraram tanto, que nos tiraram até o medo...” Apesar da incerteza que representa estar em mãos de um verdugo que mantém preso todo o povo venezuelano, que expropriou o futuro dos jovens e pisou em seu presente, não tenho medo... tenho a companhia de minha inocência e a certeza de ter feito o que é certo.

Da minha cela, lamento mais que nunca o que minha família e todas as famílias venezuelanas estão padecendo; lastimo todos os compatriotas –sem exceção– que perderam a vida; lastimo o sequestro de nossa liberdade...

Mas também, hoje mais que nunca, reconheço a fortaleza de minha mulher, de meus pais e minhas irmãs que continuaram com a luta, que não desistiram da tarefa de continuar chamando para o despertar a a unidade; reconheço e admiro a integridade desses pais que pedem que a morte de seus filhos não fique em vão; agradeço as demonstrações de carinho e solidariedade que me chegaram até aqui e acompanham os meus dias; mas, sobretudo, me orgulho de meus companheiros de luta, do valente povo venezuelano que se compromete todos os dias com a pátria e não descansa em seu afã de conseguir a mudança.

Eu já disse, sair dessa crise que mergulhou a Venezuela na penumbra depende de todos; de que cada um, no que nos toca, demonstremos que estamos dispostos a lutar, a fazermos sentir e deixar que saibam quantos são os que desejam uma mudança; contagiar com nossa valentia e solidariedade todos os que se encontram descontentes com o que estão vivendo. Temos de demonstrar que já não estamos dispostos a continuar sob um modelo fracassado e corrupto; nem em acreditar em uma falsa tentativa de estabelecer a paz à bala.

A escassez, a inflação, a crise hospitalar, a insegurança, a falta de liberdade e respeito aos direitos humanos limitando a liberdade de expressão nos afetam a todos por igual... Nossa luta é a luta de todos os venezuelanos; uma luta para que os pais possam ver os filhos dar seus primeiros passos em uma Venezuela livre, segura e em paz.

Já se passaram 15 anos, não podemos esperar mais. A Venezuela precisa de uma mudança. Força e fé.

Leopoldo López, líder oposicionista venezuelano na prisão, é presidente da Vontade Popular.

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