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Uma superpotência (com o PIB da Itália)

As titânicas ambições do Kremlin vivem em um corpo econômico relativamente miúdo

Andrea Rizzi
O presidente Putin na entrada de um salão do Kremlin nesta terça-feira.
O presidente Putin na entrada de um salão do Kremlin nesta terça-feira.S. I. (AFP)

A atuação russa na Crimeia exala toda a firmeza, ambição e pompa de uma potência imperial. Uma ação militar sem complexos; discursos grandiloquentes no esplêndido salão de São Jorge, no Kremlin; indiferença desafiadora perante as ameaças de represálias ocidentais: todas as peças parecem se encaixar no mosaico imperial. Mas, por baixo dessas demonstrações de força, jaz uma realidade cheia de fragilidades.

O PIB da Rússia (2 trilhões de dólares, cerca de 4,7 trilhões de reais) é, na atualidade, do mesmo tamanho que o da Itália, um país economicamente estagnado há vários anos, politicamente paralisado e substancialmente irrelevante em nível global. As titânicas ambições do Kremlin habitam um corpo econômico relativamente miúdo: uma quarta parte do PIB chinês; uma oitava parte do norte-americano.

Naturalmente, vários elementos situam a Rússia em outro planeta geopolítico com relação à Itália. Um aterrador arsenal nuclear; Forças Armadas vetustas em certos aspectos, mas poderosas e em vias de renovação; poder de veto no Conselho de Segurança da ONU; extraordinárias reservas energéticas; a profundidade estratégica garantida pelos laços históricos com as outras ex-repúblicas soviéticas; uma extensão territorial sem comparação.

Mas a chamativa equivalência dos PIBs italiano e russo serve como aviso sobre as sérias fragilidades internas da Rússia. Um país com um grave desafio demográfico (a população diminuiu de 148 para 143 milhões nas últimas duas décadas, e a esperança de vida para os homens é de apenas 64 anos); uma economia de monocultura, muito exposta, portanto, às oscilações nos preços no mercado energético (alguém se lembra do nome de alguma empresa russa além da Gazprom?); um claro atraso tecnológico em comparação a outras potências; um sistema educacional com resultados medíocres, segundo o relatório comparativo PISA.

Não são assuntos marginais. A capacidade de influência internacional e o poderio militar não podem subsistir sem uma subjacente prosperidade econômica.

Mesmo assim, o espírito político marca o destino das nações e pode direcioná-lo para horizontes surpreendentes. O regime de Putin encarna sob certos aspectos a vontade de potência de matiz nietzscheano. Essa vontade parece ser o impulso primitivo de toda a sua política, e não tem freios internos. Em um país não isento de dificuldades sociais, o Kremlin pode investir 4,4% do PIB em gastos militares sem que ninguém discuta. Na Europa, quase ninguém chega aos 2%.

O sentimento de indignação pelas manobras do Ocidente depois da dissolução da URSS, o orgulho pela sua história e um espírito nacional claramente propenso a nunca se render alimentam essa atitude que não acompanha o peso econômico do país. Os russos não abriram mão de Stalingrado. As maravilhosas páginas de Vida e Destino, obra de Vassili Grossman que relata a resistência dos soviéticos sob aquele assédio, revelam traços da alma que possivelmente explicam, ao menos em parte, essa disposição de boxear acima do seu peso. Orgulho? Capacidade de sofrimento? Difícil de definir. Mas são fatores que contam, e não se deve esquecê-los, tampouco se deve esquecer o PIB.

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