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A proteção de Peña Nieto ao líder dos grupos de autodefesa causa polêmica no México

Um porta-voz das guardas comunitárias afirma que José Manuel Mireles corre mais risco que “muitos funcionários públicos” Mais de 20.000 estudantes são afetados pela suspensão das aulas em algumas regiões de Michoacán, no sudoeste do país O governo mexicano estende a mão às autodefesas

Um membro das milícias civis de Michoacán com a sua arma.
Um membro das milícias civis de Michoacán com a sua arma.Eduardo Verdugo (AP)

Dezenas de policiais e soldados vigiam o hospital da Cidade do México onde o líder dos grupos de autodefesa de Michoacán, José Manuel Mireles, está internado desde domingo. Mireles sofreu um ferimento na cabeça e deslocou a mandíbula depois que o avião de pequeno porte em que viajava fez um pouso forçado em uma estrada em La Huacana, uma cidade serrana 440 quilômetros a sudoeste da capital do país, na tarde de sábado passado. Seu estado de saúde é estável. Mas a proteção extraordinária para um homem que lidera um grupo de civis armados provocou críticas. O governo do presidente Enrique Peña Nieto “brinca com fogo”, de acordo com alguns analistas.

O secretário do Interior, Miguel Ángel Osorio Chong, disse na terça-feira que ordenou a proteção de Mireles porque “é uma pessoa que tem prejudicado os cartéis, particularmente os Cavaleiros Templários [a quadrilha de traficantes que domina a região]”. Osorio Chong deixou claro que, se necessário, o governo de Enrique Peña Nieto estava disposto, inclusive, a pagar as despesas médicas. "Eu dei a instrução para que fosse dado todo o apoio.”

“O governo sabe o risco que [Mireles] corre e de alguma forma está protegendo ele para que não cheguem lá, onde ele está”, admitiu Hipólito Mora, chefe do grupo de autodefesa de La Ruana e que, junto a Mireles, é o seu mais famoso líder. “Muitos funcionários e prefeitos não correm o mesmo risco que Mireles, porque ele está na mira dos Cavaleiros Templários”, disse à imprensa local.

Os restos de um caminhão que foi queimado por um grupo de civis armados.
Os restos de um caminhão que foi queimado por um grupo de civis armados.E. CASTRO (AFP)

O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Raúl Plascencia, instou o governo a restaurar o Estado de Direito e explicou que o surgimento desses grupos responde ao “abandono” das autoridades. “Quando um governo decide abandonar o exercício da sua função e deixar a sociedade à deriva, esses grupos surgem”. No entanto, lembrou que os guardas comunitários “fazem justiça com as próprias mãos” e acrescentou que, com isso, “se colocam acima da lei”.

O governo de Peña Nieto “brinca com fogo”, adverte o jornalista Carlos Puig. Ele alertou para o perigo de que grupos civis armados acabem se tornando um problema muito maior. “Eu acho que já vimos este filme. Começou assim na Colômbia”, disse ele, referindo-se aos paramilitares que apareceram no país sul-americano por causa da violência causada pela guerra entre cartéis nos anos noventa. O analista Alejandro Hope, um especialista em questões de segurança, disse nesta quinta-feira que “as autodefesas ocupam os espaços em que o governo federal não está”, mas ressaltou que protegê-las “é um jogo perigoso”.

"O Governo brinca com fogo", afirma um analista

Michoacán tem sido um dos pontos mais críticos do México desde o início da ofensiva contra o tráfico de drogas em dezembro de 2006. No ano passado, foram registrados 990 homicídios, a cifra mais elevada desde 1998. Desde o seu aparecimento no início de 2013, os grupos de autodefesa controlam 10 municípios, e fontes oficiais reconhecem que têm uma presença em pelo menos 40 dos 113 municípios do Estado.

A violência contribui para alguma instabilidade política. Fausto Vallejo Figueroa, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), teve que se afastar do cargo em abril de 2013 para tratar uma doença. Ele foi substituído por Jesús Reyna por alguns meses. O porta-voz de Reyna, Julio Hernández, acusou Mireles de ter antecedentes criminais em julho do ano passado. Vallejo voltou ao comando do governo estadual em novembro e, em seguida, lembrou que “todos devem se submeter ao Estado de direito”. Depois da tomada de Parácuaro, no último sábado, o governador de Michoacán declarou que “o progresso das autodefesas as enfraquece”.

Aulas suspensas e caminhos fechados

Enquanto isso, na região, dois soldados foram mortos em uma emboscada no domingo. Dezenas de pessoas organizaram bloqueios frequentes em algumas estradas da região. Elas exigem a expulsão dos grupos de autodefesa das comunidades que controlam.

Todas as saídas de ônibus para Apatzingán, o centro político e econômico da região, estão suspensas. Na estação de ônibus em Morelia, capital do Estado, os funcionários das operadoras respondem aos viajantes. “Não há partidas para esta região até nova ordem”. As companhias estimam que cada dia de paralisação custe 150.000 pesos (cerca de 11.000 dólares). Nesta semana já estão paradas há cinco dias. Na região, cerca de 20.000 crianças e jovens não foram às aulas. Mais de uma centena de escolas permanecem fechadas. Também até novo aviso.

Membros de uma guarda comunitária em Parácuaro, Michoacán.
Membros de uma guarda comunitária em Parácuaro, Michoacán.JORGE DAN LOPEZ (REUTERS)

As dificuldades de viajar ao longo das estradas também têm afetado os agricultores. A região é uma das principais produtoras de limão do país e a época de colheita é justamente nestes meses. Os agricultores estimam perdas milionárias.

“Temos muito medo, mas não há outra forma”, diz uma moradora de Apatzingán, que pediu para não ser identificada. “Eles [os membros do crime organizado] cobravam [extorsão] do agricultor, do padeiro, do açougueiro. Minha irmã quis organizar uma festa de 15 anos [tradicional no México] para minha sobrinha e tivemos que pedir permissão até mesmo para isso. O que estamos vivendo é muito difícil, mas não há escolha”.

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