Irã e as potências chegam a um acordo sobre o programa nuclear iraniano
Por um período de seis meses, o pacto supõe o congelamento das atividades nucleares e a eliminação do urânio enriquecido a 20% em troca do alívio de sanções econômicas
O Irã e as seis grandes potências chegaram na madrugada deste domingo a um compromisso para limitar o programa nuclear iraniano. “Acertamos um plano de ação”, anunciou Catherine Ashton, a chefe da diplomacia europeia, em Genebra, ao lado dos ministros de Assuntos Exteriores de Irã, Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido, França e Alemanha. Os apertos de mãos entre todos eles na frente da imprensa colocavam fim a quatro longas jornadas de reuniões. Ashton, que não deu detalhes sobre o conteúdo do pacto, relembrou que se trata do primeiro passo, mas que o objetivo final é atingir um entendimento definitivo nos próximos seis meses. O acordo definiu o congelamento do programa nuclear iraniano durante esse período em troca da flexibilização das sanções.
“É um avanço muito significativo para o desenvolvimento de nossos relacionamentos”, assinalou Ashton, que coordenou as negociações com o Irã em nome das seis grandes potências. A satisfação era evidente entre todos os participantes. Foi o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que explicou à imprensa os principais detalhes do texto.
Segundo Kerry, o Irã aceitou suspender "todo o enriquecimento (de urânio) acima de 5%" e garantiu que "não aumentará suas reservas de 3,5%" nos próximos seis meses, informa a agência Efe. Quanto aos 200 quilos de urânio enriquecido a 20%, serão eliminados nesse prazo. Para verificar o cumprimento desses pontos, serão colocados em prática mecanismos de controle "sem precedentes" do programa nuclear iraniano, com "acessos diários" a todas as instalações nucleares.
Em troca dessas "significativas" concessões por parte do Irã serão aliviadas as sanções econômicas que atingem o país, embora "de forma limitada e reversível", advertiu Kerry. Um dos elementos centrais é que o Irã poderá repatriar 4,2 bilhões de dólares procedentes das exportações de petróleo e que estão bloqueados em bancos estrangeiros. Poderá obter 1,5 bilhão de dólares adicionais por exportações de produtos petroquímicos e automotivos, graças ao alívio parcial das sanções. O secretário de Estado norte-americano destacou que as sanções continuarão tendo um forte efeito sobre a economia iraniana, que deixará de ganhar 25 bilhões de dólares -ou 4 bilhões de dólares mensais- durante esses seis meses.
O chefe negociador iraniano e ministro de Assuntos Exteriores do país, Mohamed Javad Zarif, anunciou em uma entrevista coletiva, por sua vez, que uma comissão conjunta vai se encarregar de verificar a colocação em prática do acordo. “Vai na direção correta”, assinalou, antes de lembrar que se trata de “um primeiro passo” e que todos os envolvidos têm de seguir trabalhando para consolidar esse resultado.
O direito ao enriquecimento de urânio
Em um exemplo do delicado quebra-cabeça empreendido na redação do texto, sua leitura permitia afirmar ao Governo iraniano, para consumo interno, que se reconheceu o direito do Irã a enriquecer urânio.
O presidente do Irã, Hasan Rohani, assegurou em entrevista coletiva: "A principal conquista é que os direitos ao enriquecimento em solo iraniano foram reconhecidos pelas nações. Isso foi explicitamente estipulado por esse acordo (...). O enriquecimento continuará como no passado".
Enquanto isso, Kerry assegurava que não tinha incluído essa provisão no texto: "Não significa que (o Irã) tenha direito a enriquecer urânio. Apesar dos comentários que são feitos a respeito, isso não está no documento". A insistência iraniana a respeito se chocou desde o princípio com a oposição dos EUA e grande parte da negociação consistiu em buscar uma linguagem satisfatória para ambas as partes.
Zarif fez questão de ressaltar que o Irã não desistiu de seu direito ao enriquecimento de urânio. "Achamos que o acordo, o plano de ação, tem em dois trechos diferentes uma referência muito clara ao fato de que o programa de enriquecimento iraniano continuará e fará parte de qualquer acordo, agora no futuro". Segundo o chefe da diplomacia norte-americana, o programa nuclear do Irã com fins estritamente pacíficos "estará sujeito a negociações (posteriores) e a um acordo mútuo, e só então veremos se o enriquecimento pode ser feito".
"Um erro histórico"
As reações, favoráveis com exceção da israelense, não tardaram em chegar depois do acordo. “O voto do povo a favor da moderação e o engajamento construtivo, e os esforços incansáveis dos negociadores vão abrir novos horizontes”, escreveu o pouco após o anúncio do pacto o presidente Rohani em sua conta no Twitter. Foi sua vitória eleitoral em junho último que abriu as portas para uma mudança de atitude dos responsáveis iranianos para as negociações que se arrastam desde 2002, quando se descobriu o programa nuclear secreto do regime.
O presidente dos EUA, Barack Obama, enalteceu a via do diálogo, defendida durante seus cinco anos de mandato, frente a um maior endurecimento exigido pelos republicanos. “Hoje a diplomacia abriu uma nova via para um mundo bem mais seguro”, disse na Casa Branca.
No entanto, o Governo israelense denotou decepção. "Não é um acordo histórico, senão um erro histórico (...) Hoje o mundo converteu-se em um local bem mais perigoso", disse o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, ao começar a reunião com seu conselho de ministros. "É um mau acordo que dá ao Irã exatamente o que queria: um levantamento parcial das sanções ao mesmo tempo em que mantém uma parte essencial de seu programa nuclear", afirmava horas antes um comunicado emitido por seu gabinete.
O ministro de Assuntos Exteriores, Avigor Lieberman, assegurou que o Irã "recebeu um prêmio" em suas negociações com o Grupo 5+1, e que a consequência do acordo atingido em Genebra é "uma corrida armamentista". "Está claro que o acordo reconhece o direito dos iranianos de seguir enriquecendo urânio. Em resumo, obtiveram um prêmio", declarou à versão eletrônica do diário Yediot Aharonot. O ministro da Indústria, Naftali Bennet, foi mais longe: "Se dentro de cinco anos explode uma pacote nuclear em Nova York ou em Madri será pelo acordo assinado hoje".
“O acordo provisório ganha tempo para que se consiga um avanço maior, reduz o relógio e dá uma oportunidade para se criar confiança”, interpretou Jon Wolfsthal, vice-diretor do Centro para Estudos de Não Proliferação.
Foram quatro longos dias de intensas negociações que colocaram à prova tanto a vontade de negociar do novo Governo iraniano como a disposição dos EUA -país-chave nas negociações- em fazer concessões. Washington e Teerã não mantêm relacionamentos há três décadas e, caso prosperem as negociações mais detalhadas que terão início agora, o compromisso deste domingo poderia ser o primeiro passo para sua regularização.
“É o princípio, não o final do processo”, lembrou, por sua vez, Tita Parsi, presidente do Conselho Nacional Irano-Americano (NIAC, na sigla em inglês), em um comunicado que celebra o acordo. “Restam muitos obstáculos e potenciais sabotadores. Os falcões de ambos os países vão trabalhar com mais força do que nunca para frustrar esse avanço na via diplomática”.
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