IBM apresenta processador quântico com potência que não pode mais ser simulada por computadores convencionais
Capacidade de cálculo da nova máquina da empresa norte-americana duplica a da chinesa Zuchongzhi, a mais poderosa até hoje
O desenvolvimento da computação quântica, destinada a revolucionar a informática conforme a conhecemos, por elevar exponencialmente a capacidade de cálculo das máquinas, está experimentando avanços notáveis nos últimos anos. O mais novo deles tem como protagonista a norte-americana IBM, que apresentou em um evento seu, na terça-feira, o Eagle, um processador quântico de 127 bits quânticos, ou qubits. Sua potência duplica a do Zuchongzhi, desenvolvido por engenheiros da Universidade de Ciência e Tecnologia da China e da Universidade Tsinghua de Pequim, e que até agora era a mais avançada —seus criadores disseram na revista Science que ele era capaz de resolver em cerca de três minutos um problema de geração de números aleatórios que os mais poderosos supercomputadores habituais levariam 600 milhões de anos.
O novo processador da IBM tem a capacidade de pulverizar essa marca. “O Eagle é um marco porque supera a barreira dos 100 qubits. Já chegou ao limite em que sua potência de cálculo não pode mais ser simulada com processadores clássicos”, diz Zaira Nazario, diretora técnica de Teoria e Aplicações de Computação Quântica da IBM, por videoconferência. Segundo a empresa, o número de bits clássicos necessários para igualar a potência de cálculo do processador de 127 qubits supera o número total de átomos contidos nos 7,5 bilhões de seres humanos vivos atualmente.
O avanço é importante, mas ainda estamos longe de ver os ordenadores quânticos levarem a informática a um nível desconhecido. Para isso, será preciso que sua potência ronde um milhão de qubits. “A chegada do processador Eagle é um passo importante rumo ao dia em que os computadores quânticos possam superar aos computadores clássicos em níveis significativos”, contextualiza em nota Darío Gil, vice-presidente e diretor de pesquisas da IBM. A empresa tecnológica pretende preparar até o ano que vem um novo processador de 433 qubits e, em 2023, outro de 1.121.
IBM e Google lideram a corrida para produzir o primeiro computador quântico de uso comercial, uma competição da qual também participam outras empresas, como Microsoft e Intel. Isso no plano empresarial, porque na geopolítica a partida é travada entre EUA e China, com a Europa como observadora. Seguindo com esta leitura, os EUA podem anotar um tento, embora tenham tudo para perder o jogo. As cifras são teimosas quando falamos de investimento em pesquisa e desenvolvimento. E o desembolso da China não tem rival: entre 2017 e 2020, destinou 10 bilhões de dólares aos programas de computação quântica de seus centros de pesquisa. Os EUA querem dedicar 1,2 bilhão até 2023, enquanto a UE investirá um bilhão até 2026.
Física teórica transformada em tecnologia
Como seu nome indica, a computação quântica aproveita a natureza quântica fundamental da matéria em níveis subatômicos para oferecer a possibilidade de uma potência de cálculo enormemente maior. Os computadores convencionais trabalham com um sistema binário: o dos dígitos 0 e 1 (daí o termo “digital”). Esses zeros e uns, os bits, se traduzem no mundo físico em pequenas correntes elétricas geradas nos transístores. Um chip moderno de última geração contém bilhões de transístores, capazes de realizar complexas operações em questão de segundos. Mas, por mais que a miniaturização avance, chegará um momento em que não será possível colocar mais transístores em um só chip.
A computação quântica derruba essas barreiras físicas com uma proposta que desafia o entendimento: em vez de usar transístores que possam gerar estados 0 ou 1, utiliza os chamados bits quânticos, ou qubits, que podem estar em 0 ou 1, mas também numa superposição de ambos os estados. Essa superposição de Estados, assim como outras propriedades como o entrelaçamento quântico, é o que possibilita uma capacidade de computação exponencialmente maior (o número de operações cresce de forma exponencial, dois elevado a n). Com dois qubits é possível fazer quatro operações; com 10 qubits, fazem-se 1.024 operações, e assim sucessivamente.
O desenvolvimento da infraestrutura necessária para alojar e explorar os qubits é muito complexo. Usam micro-ondas, armadilhas de íons e anéis supercondutores. Os engenheiros tiveram que enfrentar problemas como a refrigeração do processador (os qubits precisam operar em temperaturas próximas ao zero absoluto, ou -273 graus Celsius) e o isolamento total de seu entorno, já que qualquer interação (como um ruído) pode desestabilizá-los. É difícil saber até onde chegarão estes novos ordenadores se continuarem sendo aperfeiçoados. Por enquanto, espera-se deles que impulsionem significativamente o estudo de novos materiais, o desenvolvimento de medicamentos e a exploração do universo, ou que resolvam problemas relacionados com a aprendizagem automática (machine learning), a técnica de inteligência artificial mais promissora da atualidade.
A criptografia usada hoje em dia ficaria obsoleta quando a computação quântica alcançar certo estado de maturidade. “Se você cria uma tecnologia revolucionária, também tem a responsabilidade de mitigar os riscos que ela acarreta”, opina Nazario. “Neste caso, foram desenvolvidos outros mecanismos criptográficos que a computação quântica não pode romper. As instituições que queiram manter seus dados a salvo durante décadas deveriam apostar já nesses métodos.”
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