Índice de Autoritarismo traça a base fiel de Bolsonaro: quanto mais apoio a golpes, mais fã do presidente
Descobrimos, por meio de técnicas estatísticas, que o principal ponto de apoio ao mandatário é a percepção autoritária da política, que se expressa em atos que desorganizam a institucionalidade e em guerras culturais
Na semana passada, o Instituto Datafolha divulgou mais uma rodada de pesquisa sobre a avaliação do governo Bolsonaro. Nela, 44% dos entrevistados consideraram o Governo como ruim ou péssimo, 24%, como regular, e 30%, como bom ou ótimo. Esse foi o pior desempenho registrado pelo Instituto, próximo ao encontrado em junho de 2020.
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Na semana passada, o Instituto Datafolha divulgou mais uma rodada de pesquisa sobre a avaliação do governo Bolsonaro. Nela, 44% dos entrevistados consideraram o Governo como ruim ou péssimo, 24%, como regular, e 30%, como bom ou ótimo. Esse foi o pior desempenho registrado pelo Instituto, próximo ao encontrado em junho de 2020.
No entanto, os números impressionam pela resiliência do apoio ao Governo. Sob qualquer aspecto, esse é, até o momento, o pior Governo da Nova República. Não há políticas públicas, a economia não dá sinais de recuperação―e já patinava antes de 2020―, o presidente não mostra nenhum apreço ou consideração pelas instituições democráticas e a gestão do combate à pandemia causada pelo novo coronavírus “pode” (para não sermos intimados pela polícia) ser considerada criminosa por parte do Governo federal. O país bate, diariamente, recordes de mortes. Faltam vacinas, remédios, oxigênio, pessoal e, sobretudo, atuação do poder Executivo federal. A conta do descalabro pelo qual passamos deve, sim, ser colocada no colo da Administração Bolsonaro.
Ainda assim, 30% (ou um pouco menos, a depender do instituto de pesquisa) acham o governo bom ou ótimo. Como isso é possível e quem são os apoiadores do presidente são perguntas que mobilizam muitos analistas políticos. Em texto recentemente aprovado para publicação no periódico acadêmico Latin American Perspectives, buscamos tentar compreender um pouco o fenômeno.
Algumas evidências empíricas encontradas a partir do survey nacional A Cara da Democracia, realizado pelo Instituto da Democracia, em junho de 2020, momento também de baixa aprovação do Governo, nos ajudam na tarefa.
Na pesquisa, pedimos aos entrevistados que indicassem de 1 a 10 o quanto gostavam de Jair Bolsonaro. 48% colocaram-se entre 1 e 3 na escala, 27%, entre 4 e 7, e 25%, entre 8 e 10. Ou seja, naquele momento um quarto dos entrevistados afirmaram “gostar bastante” do presidente.
Ao tentar delimitar o que caracterizaria os bolsonaristas, descobrimos, por meio de técnicas estatísticas, que o principal não eram a escolaridade, a renda, a idade ou a ocupação profissional dos entrevistados, mas sim uma percepção autoritária da política. Essa percepção foi identificada por meio de um Índice de Autoritarismo que criamos a partir do apoio declarado dos eleitores à realização de golpes militares em cenários como de crescimento do desemprego, da criminalidade ou da corrupção. Quanto maior o apoio a golpes militares (em uma escala de zero a três), maiores as chances do entrevistado gostar muito de Jair Bolsonaro (cerca de 40% para cada ponto na escala).
Ou seja, os dados indicam que o apoio ao presidente é, em grande medida, transversal à sociedade brasileira, sem ser delimitado por características sociais ou demográficas. Argumentamos, então, que a coesão do apoio a Bolsonaro dá-se a partir de uma resiliente percepção autoritária da política e da sociedade existente no país.
Essa percepção autoritária se expressa concretamente em atos de Governo ou em ações de seus apoiadores que desorganizam a institucionalidade e buscam reordenar as relações entre Estado, mercado e sociedade. Não menos importante, materializa-se a partir das guerras culturais que buscam transformar, por exemplo, a religiosidade cristã e a família heteronormativa em valores nacionais defendidos pelos “verdadeiros patriotas”.
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Clique aquiA percepção autoritária da política e da sociedade expressa pelo bolsonarismo organiza um modo de pensar e falar sobre o Brasil e sobre os brasileiros. O bolsonarismo, de certa maneira, articula e oferece uma resposta autoritária aos conflitos que atravessam a sociedade, sobretudo por meio da normalização das desigualdades.
Como assistimos hoje, ao fazer do autoritarismo sua principal política, o bolsonarismo transforma o Estado em arma de ataque para a promoção de ações de Governo cujo objetivo final é redefinir os conteúdos da vontade do povo―seus valores e sua conduta moral e ética. E nessa cruzada autoritária e conservadora, o bolsonarismo encontra significativa adesão de diferentes segmentos sociais.
Isso explica a permanente encenação golpista por parte do presidente, o golpismo performático. Essa prática busca a mobilização cotidiana de um imaginário em torno de um país “sem bagunça”, ordenado e saneado pela ação das Forças Armadas. Isso aparece tanto na reiterada insistência em celebrar o golpe de 1964 quanto nas ações do presidente contra os outros poderes.
O bolsonarismo mostra-se resistente por ser capaz de dar corpo a um substantivo segmento da sociedade que compartilha de percepções autoritárias da política e da sociedade. Sem opções eleitorais viáveis no período 1989-2014, esse grupo encontrou em Jair Bolsonaro um representante e uma figura política aglutinadora. Em alguma medida, isso sugere que o eventual fim do governo não deve significar o fim do bolsonarismo, ainda que ele venha a sobreviver com outro nome.
Mariana Chaguri é professora do departamento de Sociologia da Unicamp e pesquisadora do Centro de Sociologia Contemporânea da mesma instituição
Oswaldo E. do Amaral é professor do departamento de Ciência Política da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição