Argentina retira candidato para o BID e abre caminho para avanço de Trump sobre o órgão

Buenos Aires propõe abstenção, o que não deve impedir a eleição do norte-americano Mauricio Claver-Carone para a chefia da entidade na assembleia deste sábado

Alberto Fernández e Gustavo Béliz, em 2019.Tomás Cuesta (GETTY)
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A dois dias da eleição do novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Governo de Alberto Fernández decidiu que não apresentará candidato, assumindo a derrota da Argentina na tensa disputa no órgão. Gustavo Béliz, que foi funcionário do banco até 2019, desistiu na quinta-feira à noite da corrida solitária que travava contra Mauricio Claver-Carone, o homem escolhido por Donald Trump para esse cargo. Se não houver reviravoltas de última hora, os países membros elegerão Claver-Carone neste sábado, pondo fim a uma tradição de 60 anos que reserva esse posto a um latino-americano.

Buenos Aires tentou até a última hora bloquear o triunfo de Claver-Carone. Durante semanas procurou aliados para evitar que a assembleia tivesse quórum, única forma possível de adiar a eleição até março, numa aposta de que até lá Trump não estará mais na Casa Branca. Mas jogou a toalha nesta semana, quando ficou evidente que não conseguiria somar 25% de ausências, percentual estabelecido para o adiamento. Em um comunicado divulgado pelo Twitter, o Executivo argentino anunciou sua decisão de “se abster na votação que ocorrerá no próximo sábado para eleger o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento”. Não dará seu voto ao candidato de Trump, mas estará presente na assembleia em Washington.

Perdida a esperança do bloqueio, a Argentina conclamou os demais países a também seguirem o caminho da abstenção, numa tentativa de reduzir a legitimidade de Claver-Carone como novo presidente. “Também ecoamos o caráter inoportuno da realização [da assembleia], em meio a uma pandemia que não permitiu um debate adequado e tranquilo sobre o futuro do BID e, muito pelo contrário, corre o risco de aprofundar a divisão em nossa região”, acrescentou o Governo argentino.

Uma longa batalha diplomática

A eleição do presidente do BID sempre foi motivo de disputas, mas nunca tão intensas como agora. A Argentina promoveu a candidatura de Gustavo Béliz, e a Costa Rica apresentou a da ex-presidenta Laura Chinchila. Então se interpôs Trump, que dinamitou seis décadas de jurisprudência diplomática e propôs Claver-Carone. O homem de Washington conseguiu imediatamente os votos necessários para ganhar. A Argentina impulsionou então uma tática de bloqueio que pareceu improvável, até que o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, enviou uma carta aos países da UE manifestando apoio ao adiamento da votação como a melhor saída para evitar o candidato de Trump. A possibilidade de que a Europa acompanhasse a Argentina terminou por convencer o Chile e depois o México, sempre sob o argumento de que a eleição de um novo presidente do BID merecia uma reunião presencial, e não remota, como impõem as restrições da pandemia.

Mauricio Claver-Carone, indicado por Donald Trump para a chefia do BID. JIM LO SCALZO (EFE)

Os votos no BID são nominais, mas seu peso vale pela percentagem que cada país representa dentro da instituição. Claver-Carone tem a vitória assegurada graças aos apoios dos Estados Unidos (30% dos votos), Brasil (11,3%), Colômbia (3,1%) e outros países latino-americanos já comprometidos com a proposta de Washington. A chave da manobra argentina consistia em evitar que se reúna o quórum mínimo de 75% necessário para validar a votação. Se todos os países da União Europeia (9,3%) não participassem, junto com os votos da Argentina (11,3%) e Chile (3,1%), a falta de quórum ficaria ao alcance. Faltava definir a posição do México, que tem 7,2% de participação.

Laura Chinchila, que se apresentava como nome de consenso, retirou sua candidatura na quinta-feira da semana passada. Vista em perspectiva, foi o primeiro sinal de que a posição comum contra Claver-Carone se rachava, deixando o argentino Béliz como única alternativa possível frente ao homem de Trump. A disputa se reduziu então a um jogo entre duas partes. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, prometeu ao seu colega argentino, Alberto Fernández, que daria seu voto a Béliz. Apoiou também a ideia de adiar a votação, mas não ficava claro se isso incluía a estratégia de não garantir quórum.

A confirmação de que o México estará presente na assembleia foi anunciada na quinta-feira pelo subsecretário de Fazenda, Gabriel Yorio, que informou à Reuters que o esforço para adiar a eleição não prosperou. “A posição do México era dar um tempo para discutir [a nomeação no BID], mas parece que isso não vai acontecer. Aparentemente a votação acontecerá no fim de semana”, disse Yorio, conforme relata Sonia Corona. Sem uma frente comum latino-americana, a Europa tampouco se mobilizou, porque nunca foi sua intenção agir como árbitro na disputa latino-americana. Na noite de quinta-feira, a Argentina assumiu a derrota e desistiu do seu candidato.

“Não houve uma posição franca e comum dos países contrários à nomeação de Claver-Carone”, aponta uma fonte envolvida no processo desde o primeiro minuto, informa Ignacio Fariza. “A sensação é de que ficamos andando em círculos. Desde que os EUA apresentaram um candidato, sabíamos que seria muito difícil, mas a decepção é enorme: merecemos o que vai acontecer. A região é a única responsável: nós procuramos.” Claver-Carone já não tem mais obstáculos para a presidência. O avanço de Trump sobre o BID logo estará consumado.

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