Georgieva sobre o escândalo no Banco Mundial: “O problema está do outro lado da rua”
Diretoria do FMI reafirma seu apoio à diretora-gerente, após uma investigação que levantou suspeitas de favorecimento dela à China como executiva-chefe do Banco Mundial
“O problema de credibilidade não está no Fundo Monetário Internacional, mas do outro lado da rua 19.” Com esta referência ao endereço do FMI em Washington, situado bem em frente à sede do Banco Mundial, Kristalina Georgieva, atual diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, resumiu nesta quarta-feira a novela que durante um mês deixou em xeque a sua continuidade à frente do FMI, devido a um suposto favorecimento à China durante sua etapa como executiva-chefe do Banco, entre 2017 e 2019.
A polêmica começou em 16 de setembro, quando o Banco Mundial cancelou a publicação de seu influente relatório Doing Business devido a uma suposta maquiagem de dados em favor da China por iniciativa de Georgieva. As acusações apontavam também para um clima de terror no ambiente trabalhista. O escândalo deixou a economista búlgara encurralada ―EUA e Japão passaram semanas pedindo sua renúncia―, além de abalar a reputação das duas instituições, às vésperas de sua tradicional reunião anual, em que acaba de anunciar suas previsões macroeconômicas. Na segunda-feira, a cúpula do Fundo cerrou fileiras em torno de Georgieva, manifestando-lhe seu total apoio.
Durante uma entrevista coletiva virtual nesta quarta, no âmbito da reunião entre os dois organismos, Kristalina Gregorieva se pronunciou sobre a polêmica dizendo que “a direção [do FMI] fez um trabalho [de investigação] muito sério, e depus a ele em duas ocasiões. Quando todas as versões foram conhecidas, chegaram a essa conclusão. O que não significa que eu não assuma que o pessoal possa manifestar seu descontentamento ou desacordo com seus superiores; sempre defendi isto”. Sobre o suposto clima tóxico na equipe do Doing Business, Georgieva lamentou: “Se havia pessoas que não se sentiam empoderadas para falar, eu gostaria de ter sabido na época”.
“Clima de terror”
Georgieva disse que entrou no Banco Mundial, em janeiro de 2017, quando um “clima de terror” reinava na instituição. “Meses depois, o estado de ânimo do pessoal já havia tido uma mudança extraordinária, o que alguns chamaram de fator Kristalina.” Apesar de sair ilesa do episódio, e como nota final, disse estar atenta aos fatos das últimas semanas. “Estou desejando me reunir com minha equipe, na próxima segunda-feira, e pôr sobre a mesa fórmulas para tirar proveito disto e aprender. O pessoal do FMI é exemplar e não há dúvidas sobre a credibilidade da instituição; o problema está do outro lado da rua 19″, concluiu a búlgara, devolvendo a bola para a seus antigos patrões.
Quando o escândalo eclodiu e ela se viu questionada, Georgieva reiterou que, como economista, uma de suas principais preocupações é com a integridade dos dados, e que sempre pede à sua equipe que cheque os indicadores duas ou três vezes. O próprio cancelamento do respeitado relatório do Banco Mundial indicaria, segundo a mensagem que ela transmitiu de forma implícita durante as quase quatro semanas de investigação, que as irregularidades residem no método ou mecanismo de trabalho seguido nessa instituição.
Sobre as previsões econômicas globais, apresentadas nesta terça em Washington, Georgieva voltou a salientar o temor de uma pressão inflacionária. “O contraste entre uma demanda que cresce com rapidez, graças às vacinas e às políticas de estímulo, e uma oferta que cai provoca pressão sobre os preços. E a divergência entre os dois grandes blocos, o das economias avançadas e as atrasadas, só alimenta o problema. A pressão inflacionária crescerá se esta disparidade se aprofundar”, previu. “Esperamos que [a alta de preços] seja transitória, por isso pretendemos acelerar a vacinação, para resgatar as economias atrasadas”, disse, enquanto recordava que os desastres naturais, “cada vez mais frequentes”, também estão por trás deste aumento.
Uma mensagem sobre a luta contra a mudança climática, um dos pilares do seu mandato no FMI, fechou sua fala: “Temos quatro prioridades pela frente: adotar incentivos para a transição energética, como a eliminação de subsídios e um preço-base para o carvão; investir em infraestruturas limpas; assumir que a transição vai prejudicar regiões e setores muito dependentes [dos combustíveis fósseis]; e aprender com a gestão das catástrofes naturais, como por exemplo a do Japão contra as inundações” para paliar o impacto de “choques climáticos cada vez mais extremos”.
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