“O PIB ainda vai demorar para retomar o período pré-crise. Deve ficar para 2021”
Alto nível de incertezas - econômicas, regulatórias e políticas - continua sendo um entrave para a retomada dos investimentos no Brasil, de acordo com a economista Silvia Matos, da FGV
O avanço de 0,6% da economia brasileira no terceiro trimestre, um número acima do esperado pelo mercado, aponta para uma trajetória de recuperação da atividade econômica, mas o país ainda está longe de um crescimento sustentável. A avaliação é da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, que ressalta que o elevado nível de incertezas —econômicas, regulatórias e políticas— continua sendo um entrave para a retomada dos investimentos, determinante para um ciclo de crescimento mais acelerado.
Para a doutora em economia, no curto prazo o país pode conseguir reduzir a fila do desemprego, que hoje atinge mais de 12 milhões de brasileiros, porém a renda deve continuar crescendo pouco. Matos defende que atualmente não há atalhos para resgatar os bons níveis de produtividade, que só voltarão com reformas estruturais. “Hoje, o cenário internacional não ajuda e o Governo de Jair Bolsonaro também não”.
A seguir trechos da entrevista:
Pergunta. Hoje o Brasil possui a taxa básica de juros no seu menor patamar histórico, a inflação segue abaixo da meta, a esperada reforma da Previdência foi aprovada e a indústria dá os primeiros sinais de recuperação. Porém, a economia reage muito lentamente. A previsão é de crescimento de 1% em 2019. O que falta para uma retomada com mais fôlego?
Resposta. Quando o Brasil teve períodos de crescimento mais forte, o fator determinante era o crescimento da produtividade, da eficiência econômica. Do ponto de vista estrutural, nós temos uma retomada muito lenta da produtividade e, de fato, neste ano, até o segundo trimestre, o indicador mostrava uma queda da produtividade do trabalho. Ou seja, ainda estamos muito distantes de conseguir um crescimento sustentável. A questão estrutural permeia nossa economia. A nossa história desde 1980 é de crescimento baixo. Apenas reformas estruturais, a reforma tributária, abertura econômica, melhoria da educação e infraestrutura podem nos levar a um crescimento mais acelerado. Mas, sem dúvida, há questões também conjunturais, questões importantes que poderiam fazer a economia brasileira crescer mais para acima de 2% e não só 1%.
P. Quais foram esses fatores?
R. No ano passado, tivemos uma piora das condições financeiras, risco do país muito elevado, momento do mundo de aversão ao risco maior para os emergentes, a Argentina foi abatida. A gente levou um chacoalhão, mas o nosso grande parceiro comercial dos bens industriais sofreu um impacto relevante. O efeito da Argentina tirou 0.2 pontos percentuais do PIB no ano passado, ao invés de crescer 1,1% cresceria 1,3%, mas esse ano poderia ter crescido mais próximo de 1,5%. Tirou 0,5% de crescimento, porque quando a indústria vai bem ela emprega mais, gera mais imposto, transporte, a economia gira mais. Além disso, o mundo está crescendo menos. Para a indústria de transformação, a Argentina e outros parceiros comerciais têm sido relevantes para a desaceleração. Terminamos o ano um pouco melhor, porque a demanda doméstica está vindo, mas esse choque externo fez a indústria sofrer. Mesmo com nosso problemas estruturais, a gente poderia ter crescido pelo efeito externo, e a questão da tragédia de Brumadinho também atrapalhou nesse início de ano.
P. As políticas de ajuste fiscal também limitam esse crescimento?
R. Antes havia um setor que chegou a ter impacto de 20% do PIB: o Governo. Esse peso na atividade econômica independia se fazia sol ou chuva, se o mundo estava desacelerando ou não. Agora, a dinâmica já não é essa. O setor público tem diminuído desde a recessão, por conta do ajuste fiscal. Tomando esse dado, precisamos separar o que é demanda interna privada (que são as famílias e os investimentos), o que é o Governo e o que é externo. São três grandes forças. Em 2019, a demanda interna privada está crescendo o dobro do PIB. Ou seja, como você não tem demanda externa —que está contribuindo negativamente— e o Governo que também é negativo, no fim do dia, o PIB vai ser muito mais fraco e depende, cada vez mais, do consumo das famílias —que vem crescendo— e do investimento. A questão toda é o investimento. Ele caiu muito nesta recessão e ainda não voltou ao patamar pré-crise. E é ele o responsável pela construção da capacidade produtiva. A construção civil, por exemplo, tem peso de 55% do investimento total e ela está saindo agora da cova. Esse é o primeiro ano que ela aponta dados positivos e é um setor que emprega muito. Dos três milhões de empregos formais que perdemos no período recessivo, um milhão foi na construção civil. Mas o avanço da construção é o primeiro sinal que podemos sair desse fundo do poço. E não há um atalho, nem o setor público nem o mundo podem ajudar na retomada.
P. O desemprego também segue em um patamar preocupante e ainda atinge 12,4 milhões de brasileiros...
R. Essa é uma questão importante. Desde a recessão, vemos um crescimento muito pequeno do emprego. Isso explica bastante o baixo crescimento da renda real. Ainda que hoje mais pessoas estejam conseguindo emprego, são postos que o rendimento praticamente não cresce. A renda real deve crescer abaixo de 0,5%. Isso é muito ruim para o crescimento da capacidade das famílias. O desemprego muito elevado ou o emprego informal cria uma incerteza muito grande para os consumidores. Sem um emprego formal, você não tem acesso ao crédito. Apesar de uma expectativa futura razoavelmente positiva, a situação atual é muito frágil e de emprego muito ruim. No curto prazo, pode até ter uma retomada do emprego, mas a renda deve continuar crescendo pouco. É como um freio de mão até ter um crescimento mais robusto.
P. Concorda com as políticas impulsionadas pelo ministro da economia Paulo Guedes para impulsionar o emprego, como a da carteira verde amarela? Ela seria destinada a jovens de 18 a 29 anos e o empregador teria redução de pagamento de impostos...
R. Acho essa agenda extremamente importante. O problema é que o Brasil não tem condições, não tem recurso de onde tirar para ter desoneração. Os jovens não estão conseguindo entrar no mercado de trabalho porque eles possuem uma produtividade menor. No fundo, nosso problema é que o salário mínimo, mesmo sendo baixo, em proporção da renda média brasileira, é alto se levado em conta a produtividade. O ideal seria que, talvez, os mais jovens tivessem um salário mínimo diferenciado.
P. Menor?
R. Menos horas talvez. Pensar alguma forma dele ter acesso ao primeiro emprego. Ser mais flex. A grande dúvida é se aquele trabalhador de trinta anos seria substituído.
P. E há também o grupo de trabalhadores mais velhos que também possuem uma dificuldade grande para se reinserir no mercado de trabalho...
R. Sim, por isso, precisamos de mais part time jobs, como acontece nos Estado Unidos, em que as pessoas podem trabalhar algumas horas por semana. Nesse sentido, o trabalho intermitente dá essa possibilidade, porque as pessoas podem ser alocadas para trabalhar menos horas. Agora, há uma discussão mais estrutural, com as mudanças tecnológicas, como vai ficar o emprego, então é uma discussão muito relevante. E muitos não vão ter, como alguns ficam muito tempo fora do mercado de trabalho e o Brasil tem um problema educacional muito grande, esse risco é muito maior para pessoas que não conseguem emprego nunca. Tem até demanda por mão de obra mais qualificada, mas as pessoas não têm as habilidades para ocupar essas vagas. É um desafio estrutural muito grande e não será trivial superar isso. É uma tentativa, não quer dizer que irá resolver. É aquele cobertor curto, pode resolver só de um lado. É por isso que é preciso avaliar a política para ver se está chegando ao resultado esperado.
P. Como avalia o grau de confiança dos investidores no Brasil neste primeiro ano do Governo Bolsonaro?
R. Um ponto importante para a tomada de decisão de investimento é o grau de incerteza sobre a economia. E estamos vivendo não só no mundo, mas no Brasil um nível de incerteza muito grande, melhorou um pouco, mas é muito elevado. Imagine você vai tomar uma decisão de investimentos você tem insegurança como vai ser o crescimento no futuro, como serão as regras qual vai ser o sistema tributário, vai mudar as alíquotas?
P. Além da segurança econômica, tem a questão política também…
R. Sim, porque a política atrapalha o calendário de reformas, como no caso da reforma administrativa, que o Brasil recuou por medo de manifestações. A reforma da Previdência criou uma expectativa que o restante das reformas viria na sequências e não é bem assim. Há muitas propostas de reformas, mas isso depende muito da política. E como não estamos vivendo um presidencialismo de coalizão padrão, que tem uma base sólida, parece que cada reforma é uma reforma. O presidente Bolsonaro tem outra forma de governar. Ele tem esse presidencialismo de desleixo como diz o [Fernando] Limongi. Ou seja, não quer mexer com isso. Ele joga muito para o Congresso, mas o Congresso às vezes funciona bem outras não. Então a dinâmica de reformas também tem esse componente político mais incerto. Não é estável. No fundo, é o Congresso que decide, tem prós e contras, mas realmente é mais incerto. O mercado criou uma expectativa muito favorável de que a agenda de reformas seria fácil. É um balde de água fria nas expectativas e o mundo não tem ajudado. Por isso, acredito mais em PIB perto de 2% do que de 3% em 2020, porque acho que o investimento ainda vai sofrer nesse contexto enquanto as reformas não saírem e enquanto não ficarem claras as regras do jogo. O cenário internacional não ajuda e o Governo também não. O PIB ainda vai demorar para retomar o período pré-crise, o ano que vem não será suficiente, provavelmente ficará mais para 2021.
P. Acredita que a decisão do presidente Donald Trump de taxar o aço brasileiro joga mais um ingrediente para esse momento de lenta recuperação?
R. Com a crise na Argentina, os Estados Unidos ganharam mais relevância como parceiro comercial. É um segmento que é importante. E acaba que essas novas tarifas são mais um choque sofrido pela indústria, alguns setores vão sofrer. Não que será um impacto agregado, mas o mais importante é o mundo crescendo menos, não só os Estados Unidos importando menos da gente, mas criando incertezas de regras. Sai tarifa, entra tarifa, o comércio mundial fica incerto.
P. Na semana passada, o dólar superou a marca de 4,20 reais, chegando ao nível nominal mais alto da história. Como se pode explicar esse movimento e quais os maiores impactos para o país?
R. A gente internamente não consegue explicar o câmbio tão desvalorizado por fundamentos. Tem as oscilações e confusões do dia a dia —como as fala do ministro Guedes sobre o AI-5 e o câmbio— e a questão dos dados do setor externo que houve um ruído na comunicação. Isso tem contribuído. Com o câmbio mais desvalorizado, o natural é pensar que os nossos bens vão ficar mais baratos e você vai exportar mais, mas o problema todo é que, na verdade, o dólar está se valorizando no mundo, então há esse movimento mais geral de enfraquecimento das moedas no mundo todo frente ao dólar. Então esse fato do câmbio é menos relevante para exportação que o crescimento mesmo. Se o mundo não está crescendo, não adianta nada ter um dólar mais valorizado para a exportação. Vejo um lado meio negativo, toda vez que os investimentos crescem, as exportações crescem juntas.
Se tem um cenário de preço relativo de investimento muito alto por conta do dólar, isso desincentiva a compra de máquinas e equipamentos modernos lá de fora. Cria também um preço relativo mais elevado. Por isso, sou favorável a uma redução de tarifas para tecnologia, produto de bens de capital, porque precisamos de modernização, investimento de máquinas e equipamentos. E precisamos importar, não conseguimos produzir internamente. Há sempre o risco de ter o repasse cambial também nos preços, porque a economia não está tão mal como estava. Com os efeitos em cadeia, há risco de uma inflação mais salgada. A gente também tem incerteza se os juros poderiam reduzir mais no ano que vem, antes acreditávamos que sim, se o câmbio estivesse mais valorizado. De certo modo, poderíamos estar nos beneficiando de um juros ainda mais baixo. Estamos num momento de muita volatilidade, muito ruído no mundo, de fuga dos emergentes. Tivemos muitos eventos recentes na América Latina. O investidor olha e fica inseguro pensando que o Brasil também pode passar por isso. Há um medo de contágio na vizinhança...Hoje há um cenário político mais polarizado com mais riscos.