Direção do ‘Oscar francês’ se demite após críticas por indicação de Polanski e falta de paridade de gênero
Decisão da cúpula do César ocorre a duas semanas da maior premiação do cinema da França, em que novo filme do diretor acusado de estupro recebeu 12 indicações


Os alicerces do cinema francês foram abalados a poucos dias da sua festa mais importante, a cerimônia de entrega do prêmio César. A direção da Academia do Cinema que concede a premiação anunciou nesta quinta-feira sua “demissão coletiva”, poucos dias depois de centenas de atores e escritores criticarem duramente a instituição por uma “opacidade” e falta de paridade de gênero que teriam levado a decisões incompreensíveis tanto para os círculos artísticos como para a sociedade francesa.
“Para honrar aquelas a e aqueles que fizeram o cinema em 2019, para recuperar a serenidade e fazer que a festa do cinema continue sendo uma festa, o Conselho de Administração para a Promoção do Cinema (a Academia das Artes e Técnicas do Cinema) tomou a decisão unânime de se demitir”, informou a Academia em um breve comunicado. A decisão deverá “permitir proceder à renovação completa da direção”, acrescenta a nota oficial.
O anúncio ocorre a apenas 15 dias da cerimônia de entrega dos prêmios, o Oscar do cinema francês —evento que já estava ameaçado pelos protestos de grupos feministas que criticaram duramente a decisão da Academia de dar 12 indicações a J’Accuse, novo filme de Roman Polanski, apesar das novas acusações de estupro contra o diretor franco-polonês. A essas ameaças se somaram nesta semana às duras críticas em um artigo publicado na segunda-feira no Le Monde por 200 atores e realizadores —uma lista de adesões que já duplicou desde então— exigindo uma “reforma aprofundada” no comando da Academia, acusada de agir sem clareza em suas contas e procedimentos e de absoluta falta de paridade em todos os seus níveis. A gota-d’água foi a decisão da Academia de vetar duas mulheres consagradas, a escritora e cineasta Virginie Despentes e a diretora Claire Denis, como madrinhas do tradicional Jantar das Revelações, realizado antes da cerimônia aos jovens atores e atrizes revelações que aspiram a um dos cobiçados troféus.
No artigo, os signatários afirmam que a Academia funciona de forma “opaca” e mediante um sistema “elitista e fechado”, que resulta numa estrutura em que “a maioria de seus membros não se reconhece nas decisões tomadas em seu nome e que não reflete a vitalidade do cinema francês atual”. Atores como Bérénice Bejo, Chiara Mastroianni e Omar Sy e realizadores como Michel Hazanavicius, Bertrand Tavernier e Céline Sciamma assinam a carta.
Como não deram resultado nem o pedido de “calma” feito pela Academia depois do artigo nem as promessas de aumentar presença feminina na instituição de forma gradual, mas substancial, a cúpula da Academia tomou agora a decisão mais drástica de renunciar por inteiro.
A dúvida é se isso bastará para acalmar os protestos previstos durante a 45ª edição do César, em 28 de fevereiro. De fato, em seu comunicado, a Academia deixa claro que a Assembleia Geral para “escolher uma nova direção” só ocorrerá depois de cerimônia, e que só então, também, poderão começar a ser implementadas as mudanças prometidas.
O presidente da Academia, Alain Terzian, disse que já começou a trabalhar por “uma revolução cultural para conseguir a paridade” entre os gêneros na instituição. Atualmente, só 8 dos 47 membros da sua Assembleia Geral são mulheres, também minimamente representadas —6 de 21— em seu Conselho de Administração. A falta de mulheres é generalizada na Academia, cujos membros, encarregados de indicar e votar nos melhores filmes do ano, são compostos por uma maioria esmagadora (65%) de homens.