O mistério da origem dos oceanos terrestres

Análise de treze rochas vindas do espaço mostra que a água da Terra tem sua origem em um tipo de asteroides que até agora se pensava que fossem secos

As rochas do disco que se formou ao redor do Sol primitivo continham os elementos que permitiram a existência da água na Terra. University of Copenhagen/Lars Buchhave

Há teorias que afirmam que não deveríamos existir, ou pelo menos sugerem que nossa vida hoje não parecia estar nos planos iniciais. Uma delas é a do Big Bang, que diz que na origem do universo se criou a mesma quantidade de matéria e antimatéria. Quando uma partícula encostava em sua antipartícula, se desintegrava, tornando impossível a acumulação de átomos que possibilitou o mundo que conhecemos. Um fenômeno ainda sem explicação desfez esse empate e permitiu nossa existência, mas ainda havia obstáculos a superar antes de se tornar realidade. Outro acontecimento afortunado é que o cobriu a Terra de oceanos e a tornou fértil à vida. Os modelos de formação do Sistema Solar estimam que a água deveria ser escassa nos planetas mais próximos à estrela, mas é óbvio que, pelo menos no nosso, não é assim.

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Nas tentativas para explicar essa feliz anomalia, o estudo científico sugere que há 3,9 bilhões de anos a Terra sofreu um intenso bombardeio de asteroides e cometas que trouxeram com eles água e elementos orgânicos que, somente 400 milhões de anos depois, permitiram que a vida aparecesse. Para se acomodar às teorias de formação de nosso sistema planetário, se colocava que os meteoritos, conhecidos como condritos carbonáceos, chegavam das fronteiras externas do sistema solar, onde o calor da estrela não teria volatilizado a água como nas regiões interiores. Agora, um trabalho publicado na revista Science aponta outro tipo de asteroide como fonte do composto líquido essencial à vida que conhecemos.

A hipótese de que foram meteoritos e cometas longínquos que encheram a Terra de água requer um complexo processo de influências gravitacionais entre os planetas gigantes e os corpos celestes para atraí-los para cá de suas órbitas distantes. Laurette Piani e uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês) e da Universidade de Lorena (França), tentaram justificar outra das possibilidades propostas para explicar que este seja o planeta azul.

A Terra se formou a partir do amálgama de materiais que se encontravam na nebulosa que deu origem ao Sistema Solar. “Hoje sabemos que os planetas terrestres, entre eles a Terra, não se formam subitamente, e sim com a agregação de centenas de corpos”, diz Josep Maria Trigo, pesquisador principal do grupo de corpos menores e meteoritos do Instituto de Ciências do Espaço (CSIC-IEEC, nas siglas em espanhol), em Barcelona. “Os corpos que formaram a Terra se formaram a uma distância menor do Sol e em 80 a 90% seriam condritos de enstatita [o mineral mais abundante neles] e ordinários”, acrescenta.

No começo, por sua formação próxima ao Sol, se pensava que nas rochas fundamentais com as quais se construiu a Terra não existiria água suficiente para explicar sua abundância em nosso planeta. A análise de Piani e seus colegas, entretanto, sugere que nessas rochas primevas haveria hidrogênio suficiente para trazer à Terra até três vezes a massa de água que hoje os oceanos contêm. Para realizar essa afirmação com solidez, os pesquisadores mediram com precisão as concentrações e as proporções de hidrogênio e deutério (uma versão do hidrogênio com um nêutron acompanhando o próton) em treze meteoritos provenientes de asteroides de enstatita. Além de comprovar que tinham quantidades suficientes de hidrogênio, observaram que as quantidades de isótopos de hidrogênio e nitrogênio coincidem com as do manto terrestre.

Os autores reconhecem que não podem calcular quando ocorreu a chegada desses asteroides portadores dos elementos necessários para a aparição da água terrestre, mas estimam que ocorreu em um período suficientemente tardio da formação da Terra. Jesús Martínez Frías, pesquisador do CSIC e diretor da Rede Espanhola de Planetologia e Astrobiologia, diz que se o bombardeio ocorresse muito cedo, antes de 3,8 bilhões de anos, a água teria se evaporado. “O bombardeio posterior à acumulação dos primeiros planetesimais destruiu a crosta primitiva, o vapor de água e outros gases escaparam e formaram a atmosfera e a água da Terra”, afirma. “Além disso, se misturou com outros fluidos procedentes do subsolo através do vulcanismo e todas essas emissões voláteis enriqueceram essa atmosfera primitiva”, acrescenta.

O fato de que a maior parte da água terrestre venha desses condritos da região do Sistema Solar próximo à Terra não descarta a função cumprida pelos que vieram das áreas mais frias e longínquas. “As enstatitas foram importantes para criar condições de habitabilidade trazendo a água, mas os carbonáceos, que têm aminoácidos, ureia, purinas, são mais importantes para tornar possível a origem da vida”, diz. Trigo, que considera muito relevante o trabalho publicado agora pela Science, diz que isso pode significar que “os condritos carbonáceos teriam fornecido uma quantidade menor, mas significativa, de 5 a 10%, dessa água e nitrogênio [da Terra], ainda que poderiam tê-lo feito mais tarde, fruto das contínuas colisões com outros objetos ao longo da história da Terra”.

Para conhecer melhor essa etapa crítica da história do planeta, será preciso viajar a asteroides para pegar amostras com as quais será possível fazer medições ainda mais precisas que as da equipe de Piani. Como diz Frías, quando for possível visitar asteroides com certa regularidade cada tipo terá seu interesse: “Os asteroides metálicos são mais interessantes para procurar recursos minerais como os metais de terras raras, os que dão origem aos condritos carbonáceos interessam do ponto de vista da origem da vida e as enstatitas para nos explicar como a Terra começou a ser habitável”.

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