_
_
_
_
_

A verdadeira história da mulher mais famosa do cinema (cujo nome você não conhece)

É "a dama da tocha" e aparece em centenas de filmes: é a imagem da Columbia Pictures. Sabemos a identidade da última, mas sobre as anteriores só há rivalidade e lenda

A famosa "dama da tocha", a familiar figura que abre todos os filmes da Columbia Pictures desde 1922.
A famosa "dama da tocha", a familiar figura que abre todos os filmes da Columbia Pictures desde 1922.
Guillermo Alonso

Essa mulher só aparece por 18 segundos em cada filme, mas o faz em inúmeros. No ano passado estreou 13. São grandes as probabilidades de que essa seja a pessoa que você viu mais vezes na história do cinema. Mas quase ninguém sabe como ela se chama. Talvez, a “dama da tocha”. Abre todos os filmes da Columbia Pictures desde 1922, que são centenas. E apesar do logo ter mudado várias vezes em seus quase 100 anos de história, a figura da dama da tocha se mantém inalterável.

Amelia contou que quando a identidade da "dama da tocha" começou a causar intriga ligou para a Columbia para dizer que era ela. A mulher que atendeu não acreditou nela: dezenas de garotas haviam ligado dizendo o mesmo

(Se excetuarmos, claro, a ocasião em que no começo do delírio disco-kitsch Até que Enfim É Sexta-Feira, realizada a maior glória da Motown, a dama da tocha dançava).

O logo da Columbia Picture é familiar aos espectadores de todo o mundo. Está (quase) no nível do leão que ruge da Metro Goldwyn Mayer e equivale ao castelo da Disney e a montanha da Paramount (que, de acordo com a lenda, é o pico Artesonraju do Peru). O que é menos conhecida é a história por trás da mulher da tocha e, em alguns casos, até mesmo sua identidade.

Só há certeza em relação à mulher que apareceu no logo da empresa nos últimos 27 anos. Em 1992 a Columbia Pictures pediu ao pintor Michael Deas, famoso por seus retratos de presidentes e estrelas do cinema clássico, que reformulasse a popular imagem. Para isso, Deas pediu à fotógrafa Kathy Anderson para que o ajudasse dando-lhe imagens de referência. Em julho de 1991 Kathy pediu a uma de suas colegas de trabalho em um jornal de Nova Orleans, a designer gráfica Jenny Joseph, que posasse em seu pequeno apartamento em frente a uma tela negra, vestida com uma túnica e segurando uma tocha.

Trecho de uma reportagem (em inglês) exibida em 2013 em que podem ser vistas imagens de Michael Deas e Jenny Joseph, pintor e modelo da "dama da tocha" da Columbia Pictures.

Joseph não imaginava que aquela imagem logo seria a mais vista em cinemas de todo o mundo. Dizem que foi escolhida porque tanto Michael como Kathy consideraram que se parecia com a mulher da tocha de versões anteriores do logo da famosa produtora. Joseph não era modelo, como contou a própria Anderson: não havia posado para uma câmera antes e não voltou a fazê-lo depois.

Evolução do logo da Columbia na década de vinte, depois nos anos trinta, na sequência nos anos oitenta e por fim dos anos noventa até hoje.
Evolução do logo da Columbia na década de vinte, depois nos anos trinta, na sequência nos anos oitenta e por fim dos anos noventa até hoje.

Posteriormente, Joseph se mudou de Nova Orleans ao Texas, se casou e teve filhos. Crianças que cresceram confortavelmente com a ideia de que sua mãe aparece seguidamente nos cinemas antes do começo de alguns dos filmes de maior sucesso de bilheteria todos os anos. Curiosamente, algumas pessoas pensaram que essa mulher era a atriz Annette Bening ao encontrar certa semelhança com ela. Foi um rumor que circulou em Hollywood durante alguns anos. Existem sites em que Bening aparece como uma das “damas da tocha”. Não é.

Mas quem apareceu antes nessa mesma pose? É muito complicado determinar o nome das mulheres que seguraram a tocha antes, apesar do cinema ser uma indústria em que tudo fica gravado e registrado para memória. Mas de acordo com a Columbia Pictures, não existe documentação para comprovar se algumas das mulheres que afirmam ter sido a “dama da tocha” dizem a verdade.

Evelyn Venable, que afirmou ter sido a modelo do logo da Columbia Pictures em 1939, em uma imagem publicitária feita em Londres em 1935.
Evelyn Venable, que afirmou ter sido a modelo do logo da Columbia Pictures em 1939, em uma imagem publicitária feita em Londres em 1935.Getty Images

Uma delas poderia ser Claudia Dell. Aparece em uma autobiografia de Bette Davis (The Lonely Life, 1962) em que a atriz vencedora do Oscar se refere a uma “jovem Claudia Dell, cuja imagem foi utilizada como o logo da Columbia Pictures durante anos”. Dell (1910-1977) foi uma atriz de cinema e televisão que nunca fez muito sucesso em Hollywood e parou em filmes B, ainda que na vida pessoal tenha se casado com homens poderosos da Califórnia e levado uma vida confortável.

Outra era Evelyn Venable (1913-1993), atriz mais conhecida graças ao seu papel em Uma Sombra Que Passa (1934), que nos anos noventa teve uma versão bem livre com o título de Encontro Marcado, protagonizada por Brad Pitt. Ela afirmou ter sido modelo para o logo da Columbia em 1939. O site IMDB, uma referência aos cinéfilos, confirma essa informação.

Jenny Joseph se mudou para o Texas, se casou e teve filhos. Crianças que cresceram com a ideia de que sua mãe aparece no começo dos maiores sucessos de bilheteria todos os anos

Depois vem Amelia Batchler (1908-2002), que em uma reportagem da revista norte-americana People se apresenta como a mulher que encarnou o logo da tocha desde 1936 e durante anos. “Um dia Harry [que foi o primeiro presidente da empresa] me disse: ‘Vá ao camarim. Há um artista italiano que quer pintar você’. Isso foi em 1935 ou 1936. Eu era uma artista contratada e por 75 dólares (295 reais) semanais fazíamos de tudo exceto lavar o chão”.

Amelia, segundo contou, jamais perguntou para que seria a pintura. Descobriu poucos anos depois que sua imagem aparecia no começo de todos os filmes da Columbia. “Direitos de imagem? É sério? Não pagavam isso a ninguém naquela época. Isso foi muito antes de que existissem sindicatos”. Como história, o seguinte caso: Amelia contou que muito tempo depois, quando a identidade da “dama da tocha” começou a causar intriga entre a imprensa e os espectadores, ligou para a Columbia para dizer que era ela, caso quisessem fazer algum tipo de história e comunicado a respeito. Mas a jovem que atendeu não acreditou nela por um motivo muito simples: dezenas de garotas haviam ligado antes dizendo a mesma coisa.

Jane Bartholomew, que afirmou ser uma das modelos inspiradoras do logo da Columbia Pictures, posa no quarto de sua casa em 2001.
Jane Bartholomew, que afirmou ser uma das modelos inspiradoras do logo da Columbia Pictures, posa no quarto de sua casa em 2001.Getty Images

Uma dessas outras garotas poderia ser Jane Bartholomew. O prestigioso jornal norte-americano Chicago Sun Times acreditou em sua história e publicou uma reportagem sobre ela. De acordo com Bartholomew, seu rosto é o que aparece na década de quarenta (o que confrontaria seu relato com o de Batchler) e foi recrutada, como no caso anterior, pelo chefe Harry Crohn. Aconteceu em 1941, segundo seu relato, e lhe pagaram 25 dólares (100 reais). O jornal publicou a reportagem com uma foto realmente delicada: a já idosa Jane posa em seu quarto de um asilo enquanto atrás dela, penduradas na parede, estão várias fotografias em que ela personificava (ou não) a dama da tocha.

O curioso dessa história é que todos os relatos podem ser verdadeiros: o logo da Columbia Pictures é uma pintura e os diferentes artistas contratados pelo estúdio para realizá-la pediram fotografias de referência. Ainda que a identidade da última encarnação seja indubitável porque todos os participantes na criação da imagem estão vivos e há até vídeos da sessão, seria factível que nas décadas de trinta e quarenta o artista se inspirasse em diferentes fotografias para desenhar sua “torch lady”, como é conhecida em inglês a figura que abre todos os filmes da produtora. Essa figura que, sem nome, sem dados e sem história, é a mulher que mais vezes vimos quando a luz do cinema se apaga. Mas além de Jenny Joseph, será complicado conhecer suas identidades anteriores.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_