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Bolsonaro: “Democracia só existe quando suas Forças Armadas assim o querem”

Vice-presidente Mourão afirma que o presidente foi "mal interpretado". Analista de mercado diz que sequência de declarações de mandatário são lidas como mal sinal sobre Governo

O presidente Jair Bolsonaro em evento no Rio.
O presidente Jair Bolsonaro em evento no Rio.Leo Correa (AP)
Gil Alessi

“Democracia e liberdade só existem quando a suas respectivas Forças Armadas assim o querem”, afirmou o presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira, durante cerimônia de formatura de fuzileiros navais no Rio de Janeiro. A declaração foi alvo de críticas da oposição, que acusou o presidente de buscar tutela dos militares, que têm importante presença em seu Governo, num momento de mal-estar após a divulgação pelo presidente de um tuíte pornográfico com críticas ao Carnaval.  A fala foi minimizada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que disse que Bolsonaro está sendo "mal interpretado". Horas depois, em transmissão ao vivo em sua conta no Facebook, o presidente voltou ao tema, e fez questão de falar sobre o assunto: "Essa fala começou a ser interpretada de várias maneiras".

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A aparição no Rio, na qual não respondeu a perguntas da imprensa, foi o primeiro evento público do qual o mandatário participou desde a polêmica criada por ele nas redes sociais com a postagem, na noite de terça-feira, de um vídeo escatológico no qual um jovem urinava em outro em um bloco de rua no Carnaval. Em uma fala breve, de cerca de 4 minutos, o presidente também acenou para os valores daquilo que considera a família tradicional brasileira. “A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso, democracia e liberdade, só existem quando as suas respectivas Forças Armadas assim o querem”, disse Bolsonaro que, paradoxalmente, sempre repete que as relações diplomáticas do país serão travadas "sem ideologia".

Esta é a segunda vez desde que assumiu o Governo em que Bolsonaro fala dos militares como fiadores do regime democrático: em janeiro, pouco após tomar posse, ele disse que as Forças Armadas são um obstáculo a quem quer tomar o poder de forma ilegítima. O presidente fez carreira política negando que no Brasil tenha havido o golpe civil-militar de 1964, que instalou uma ditadura no Brasil até 1985.

Chamado mais uma vez a comentar as controvérsias provocada por Bolsonaro, o vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB) contemporizou, e afirmou que o capitão foi “mal interpretado”. “O que o presidente quis dizer? Está sendo mal interpretado. O presidente falou que onde as Forças Armadas não estão comprometidas com democracia e liberdade, esses valores morrem. É o que acontece na Venezuela. Lá, infelizmente as Forças Armadas venezuelanas rasgaram isso aí. Foi isso o que ele quis dizer”. Mourão, que tem se construído como um contraponto moderado em relação ao presidente, não quis comentar a postagem o vídeo explícito nas redes sociais de Bolsonaro.

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, também relativizou a afirmação em declaração à TV Globo. "Não achei polêmica. Ele estava fazendo um discurso para comemoração dos 111 anos do corpo de fuzileiros navais e ele falou o que todo mundo sabe: as Forças Armadas são o baluarte da democracia e da liberdade. Historicamente, em todos os países do mundo", disse. Heleno voltou a repetir este discurso durante a transmissão ao vivo feita por Bolsonaro, que contou com sua participação.

Parlamentares da oposição também criticaram nas redes a afirmação do presidente. "A democracia foi conquistada pela sociedade brasileira, não é objeto de tutela ou permissão”, escreveu a presidenta do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR). Candidato derrotado pelo capitão, Fernando Haddad criticou a afirmação de Bolsonaro, e ironizou o fato dele não ter respondido perguntas da imprensa “para explicar o raciocínio”.

Mercado nervoso

- Voltamos a fazer lives e tentaremos fazê-las uma vez por semana com assuntos sobre fatos atuais. . Link no youtube: https://youtu.be/cOWlW_3zcw4

Gepostet von Jair Messias Bolsonaro am Donnerstag, 7. März 2019

Bolsonaro comenta, ao lado de Heleno, comenta frase sobre militares.

Enquanto isso, a Bolsa de São Paulo dava sinais de nervosismo, com o dólar se aproximando dos 3,90 reais. O principal fator da movimentação, de acordo com os analistas, foram notícias do mercado externo, com sinais de debilidade e desaceleração nos EUA e na Europa. O jornal Valor Econômico também registrou, no entanto,  "a apreensão" dos analistas com o cenário político doméstico e incertezas com a tramitação da reforma da Previdência. O analista econômico André Perfeito, da consultoria Necton, divulgou horas após o evento no Rio uma revisão da previsão do crescimento do Produto Interno Bruto para 2019, de 2,1% para 1,8%. Além do “baixo crescimento”, Perfeito destacou como fator desestabilizador para a economia o tuíte pornográfico e o discurso feito pelo presidente nesta quinta-feira. “Conspira para nossa revisão mais forte para baixo as recentes falas do presidente”, escreveu. Para o analista, o pronunciamento feito perante os militares “é forte, e nos mostra que ele acusou o golpe da repercussão extremamente negativa ao seu tuíte dias antes”. Ele conclui, dizendo que “seja como for está cada vez mais evidente que a administração política das reformas está fragilizada”.

No discurso para os fuzileiros navais, Bolsonaro citou a reforma da Previdência. Voltou a afirmar que os militares vão fazer parte da mudança nas aposentadorias- o Governo ainda não enviou o projeto de lei com a inclusão da categoria. Também voltou a falar sobre garantir uma “retaguarda jurídica” para as “missões extraordinárias da tropa”, como nas operações de Garantia de Lei e Ordem ocorridas no Rio de Janeiro. “Eu quero vocês conversando, ouvindo, debatendo uma retaguarda jurídica para que vocês possam exercer seus trabalhos, em especial nas missões extraordinárias da tropa”. Grupos de defesa dos Direitos Humanos enxergam aí um salvo-conduto para excessos cometidos por militares em ações eventuais na segurança pública.

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