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O que os animais mais antigos da Terra podem nos ensinar

A ressurreição de vermes de mais de 40.000 anos sugere que, se a vida já surgiu em planetas como Marte, ela poderia ser mantida congelada por milênios

Um pesquisador russo toma uma amostra junto ao rio Kolimá, na Sibéria
Um pesquisador russo toma uma amostra junto ao rio Kolimá, na SibériaVisuals Unlimited, Inc./Chris Linder (Getty Images/Visuals Unlimited)

Quando os animais mais antigos que viveram na Terra nasceram, duas espécies humanas coabitavam na Europa e nenhuma ainda havia chegado à América. Ainda existiam mamutes e tigres-dente-de-sabre e o Saara era um jardim. Para estudar esse mundo extinto, temos uma cápsula do tempo no gelo perpétuo que envolve o Ártico. Ali foram encontrados cadáveres de mamutes e leões das cavernas que sugerem a possibilidade de “ressuscitar” essas espécies, mas nenhum animal tinha atravessado com vida as dezenas de milhares de anos que nos separam do Pleistoceno.

Na semana passada, o Siberian Times anunciou a descoberta de um grupo de pesquisadores russos em colaboração com a Universidade de Princeton (EUA). Depois de descongelar e cultivar 300 amostras de vermes aprisionados no permafrost siberiano, observaram que em duas delas havia alguns desses animais vivos. As datações por carbono indicaram que uma das amostras, coletada nas proximidades do rio Kolimá, tinha cerca de 32.000 anos de idade. A mais antiga, coletada perto do rio Alazeya, tinha mais de 41.000.

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Os resultados do trabalho foram divulgados na revista Doklady Biological Sciences, uma pequena publicação que traduz estudos russos para o inglês, mas se espalhou rapidamente pelo mundo. Embora alguns pesquisadores tenham aventado a possibilidade de que as amostras estivessem contaminadas e a datação não esteja correta, algo que ainda não foi totalmente descartado pelos próprios autores, os especialistas consultados pelo EL PAÍS não consideraram o resultado impossível. José Pérez, pesquisador do CSIC no Instituto de Biologia Funcional e Genômica de Salamanca, diz que “esse tipo de nematoides pode ser congelado e mantido vivo enquanto estiver congelado”. Ann Burnell, da Universidade de Maynooth, na Irlanda, também considera possível uma sobrevivência tão prolongada, embora reconheça que o estudo russo é uma confirmação prática dos grandes períodos “que alguns vermes especialmente tolerantes ao congelamento podem sobreviver em um estado de animação suspensa”.

Os autores, liderados por Anastasia Shatilovich, da Academia Russa de Ciências, apontam as implicações que a descoberta pode ter para compreender melhor a criopreservação ou a possibilidade de encontrar vida extraterrestre preservada na água congelada de lugares como Marte ou a lua de Júpiter, Europa Além disso, de acordo com Shatilovich, eles acreditam que no futuro poderão ser encontrados outros pequenos animais “como rotíferos ou tardígrados” preservados no permafrost durante milênios.

Há anos se fantasia sobre a possibilidade de congelar um corpo recém-morto devido a uma doença incurável e mantê-lo por décadas ou séculos até que a tecnologia permita ressuscitá-lo. Alguns vermes semelhantes aos encontrados na Sibéria são usados como modelos para entender doenças humanas, mas sua resistência ao congelamento não significa que o que é possível para eles um dia o seja para nós. “Poder congelar um organismo e ele sobreviver depende da sua complexidade”, diz Pérez. “É mais fácil com bactérias, mas em animais maiores, como nematoides, o limite é atingido. Foram feitas tentativas de congelar moscas Drosophila, mas não é possível”, explica. Além disso, o pesquisador do CSIC aponta outro detalhe importante quando se pensa em aplicar a ideia da criopreservação dos vermes à nossa espécie: “Nós congelamos milhares e apenas alguns poucos sobrevivem, cerca de 0,01%.”

Para cada verme que sobrevive congelado por anos ou milênios existem milhares que morrem

Adolfo Sánchez-Blanco, professor da Universidade de Hartford (EUA), lembra outra diferença notável. “O ciclo de vida do C. elegans [outro verme capaz de sobreviver ao congelamento por muito tempo] inclui diferentes estágios larvais menores do que o adulto. Alguns desses estágios são altamente adaptados à sobrevivência extrema na ausência de alimento, secura ambiental, flutuações de temperatura... Ao congelar o C. elegans para conservação, são esses estágios larvais que resistirão ao processo de congelamento”, explica. “A criogenização humana, pode ser possível no futuro, mas até agora não foram desenvolvidas as ferramentas para congelar um corpo humano e descongelá-lo posteriormente sem causar danos irreparáveis às células, tecidos e órgãos”, conclui.

A recuperação de seres vivos do passado também estimulou a imaginação apocalíptica e houve quem levantasse a possibilidade de que com os vermes do Pleistoceno também fosse revivida alguma doença pré-histórica mortal. Rafael Canton, chefe do serviço de Microbiologia do Hospital Universitário Ramón y Cajal, em Madri, não conhece casos de microrganismos recuperados do permafrost que implicassem uma ameaça, mas acredita que, sem alamar, “esse tipo de estudo deveria ser controlado”. Além disso, ele acredita que pode ser interessante observar nas bactérias recuperadas “atividades metabólicas desconhecidas ou até mesmo novos antimicrobianos”.

Vermes como o ‘C. elegans’ foram usados para descobrir compostos antienvelhecimento

O uso de vermes como aqueles ressuscitados na Rússia para entender a biologia em geral e a biologia humana em particular também está nas mentes dos pesquisadores. Shatilovich diz que estudos já estão sendo planejados para conhecer as diferenças evolutivas entre esses animais nascidos há 40.000 anos e suas versões mais modernas. Atualmente, os nematoides C. elegans são um dos modelos mais comumente usados em estudos biológicos. Embora a tremenda resistência ao congelamento desses animais possa não ser muito útil no momento para projetar um sistema eficaz de criopreservação para seres humanos, seus corpos já estão nos ajudando a entender melhor o envelhecimento e tentar combatê-lo.

Patricia Martorell, chefe da Unidade de Biologia Celular e Molecular da Biópolis, uma empresa de biotecnologia com sede em Valência, participa do ‘Ageing with elegans’, um projeto da União Europeia que usa os vermes para compreender as razões do envelhecimento e tentar combatê-lo. “Estudamos centenas de moléculas para ver como elas afetam o verme. De forma automatizada, vemos se os vermes envelhecem mais ou menos e podemos selecionar moléculas interessantes para os seres humanos”, explica. “Vimos algumas moléculas que podem funcionar em humanos, como a metformina, que é usada para tratar o diabetes e que prolongava a vida das pessoas obesas que a tomavam”, acrescenta.

Os vermes, fêmeas em sua totalidade, continuaram a se reproduzir sem a necessidade de machos após o descongelamento, durante mais de dois anos, segundo Shatilovich. Como em muitas ocasiões anteriores, esse recorde de sobrevivência em congelamento demonstra novamente que a resistência dos seres vivos às circunstâncias mais extremas é muito maior do que se costuma imaginar.

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