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Não estar casado aumenta em 55% o risco de morrer de AVC, segundo o maior estudo feito até hoje

Os resultados, observados em dois milhões de pessoas, podem ser explicados pelo cuidado mútuo nos casais

Manuel Ansede
Recém-casados passeiam depois do casamento na Catedral de Lisboa, no dia12 de junho.
Recém-casados passeiam depois do casamento na Catedral de Lisboa, no dia12 de junho.JOSE SENA GOULAO / EFE

O cardiologista Luciano Consuegra lembra de como sua equipe começou a dar-se conta de que as pessoas viúvas morriam antes que as casadas depois de sobreviverem a um infarto do miocárdio. Os médicos passaram a acumular pistas, até ter uma base de dados de 7.400 pacientes internados em dois hospitais de Múrcia. As pessoas viúvas tinham 30% mais possibilidades de morrer de modo prematuro. “Vimos, por exemplo, que as pessoas viúvas levavam 40 minutos mais que as casadas para irem ao hospital depois de detectarem os primeiros sinais de alarme de um infarto, como a dor no peito”, explica.

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O trabalho de Consuegra é um dos incluídos na maior revisão sistemática dos efeitos do casamento na saúde. Para uma pessoa, o fato de não estar casada está associado a um risco 55% maior de morrer de AVC e 43% maior de morrer por uma doença das artérias coronárias, como angina de peito ou um infarto agudo de miocárdio, segundo o novo estudo, publicado na revista especializada Heart.

Um estudo em Múrcia observou que as pessoas viúvas tinham 30% mais risco de morrer depois de sobreviver a um infarto do miocárdio

O trabalho repassa mais de 30 estudos anteriores, com dados de dois milhões de pessoas de várias partes do mundo, dos Estados Unidos ao Japão, passando pela Finlândia e Reino Unido. Suas conclusões sugerem que estar casado tem um efeito saudável. “Os benefícios do casamento na saúde e na mortalidade foram demonstrados em ambos os sexos, em diferentes grupos étnicos”, ressaltam os autores, liderados pelo cardiologista Mamas Mamas, da Universidade de Keele, no Reino Unido.

Os resultados têm de ser analisados com cautela. Em 2012, o cardiologista suíço Franz Messerli anunciou “uma correlação surpreendentemente poderosa entre a ingestão de chocolate per capita e o número de prêmios Nobel em vários países”. A Suíça aparecia como o país que mais consumia chocolate e mais prêmios recebia para cada 10 milhões de habitantes. O exercício, uma piada de Messerli, pretendia chamar a atenção para a fragilidade das correlações em cardiologia.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. A Organização Mundial da Saúde calcula que 17,7 milhões de pessoas morreram em decorrência desses problemas em 2015, o equivalente a 31% de todos os óbitos registrados no planeta. “Embora 80% do risco de sofrer de doenças cardiovasculares no futuro possa ser previsto com base em fatores de risco conhecidos, como a velhice, o sexo masculino, a hipertensão, a hiperlipidemia [o colesterol alto], o tabagismo e a diabetes mellitus, os fatores determinantes dos 20% restantes ainda não estão claros”, explica a equipe de Mamas.

“Não é uma questão de estar casado, mas de estar acompanhado”, opina o cardiologista Luciano Consuegra

O estado civil deveria ser considerado, talvez, como “um fator de risco em si mesmo”, argumentam os autores. Seu estudo, porém, reconhece suas limitações. As dezenas de pesquisas analisadas utilizaram diferentes metodologias. Por exemplo, a definição de doença cardiovascular é diferente em vários estudos. E o trabalho tampouco examina a situação de pessoas que convivem fora do casamento.

“Uma das principais limitações de nossa pesquisa é que não compara os resultados de pacientes que estão casados com os daqueles que vivem juntos em relações estáveis. Acho que os benefícios do casamento provavelmente estão relacionados com interações sociais mais próximas. Os casais se estimulam a ir ao médico quanto antes quando aparecem os primeiros sintomas, e se ajudam. Esse benefício ocorreria também em pessoas que vivem juntas sem estar casadas”, afirma Mamas.

“Não se pode descartar a possibilidade de que as diferenças observadas entre as pessoas casadas e as não casadas não tenham nada a ver diretamente com seu estado civil”, adverte o especialista em estatística Kevin McConway, da Universidade Aberta do Reino Unido. “Talvez existam outros fatores que influam nas possibilidades de que uma pessoa se case ou se mantenha casada e isso, independentemente, afete as possibilidades de ter uma doença cardíaca ou um AVC”, explicou McConway ao portal Science Media Centre.

O cardiologista Luciano Consuegra –do Hospital Universitário de Santa Lucía, em Cartagena (Múrcia)– é menos cético. “Estar casado é uma forma de que alguém cuide de você, é uma relação de cuidado mútuo. Se alguém está ao seu lado, você toma os comprimidos do seu tratamento, insiste para que você deixe de fumar”, observa. “Não é uma questão de estar casado, mas de estar acompanhado.”

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