_
_
_
_
Cinema
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Supercoitados, não super-heróis

É triste descobrir que não precisamos de um processo de encolhimento porque já estamos encolhidos, como mostra o filme 'Pequena Grande Vida'

David Trueba
Matt Damon e o diretor Alexander Payne, na filmagem de 'Pequena Grande Vida'.
Matt Damon e o diretor Alexander Payne, na filmagem de 'Pequena Grande Vida'.Merie W. Wallace (Paramount Pictures via AP)
Mais informações
Matt Damon: papel minúsculo, polêmica gigante sobre o assédio em Hollywood
Mira Sorvino ou como Weinstein afundou a carreira de uma ganhadora do Oscar
Nossa imaginação precisa da literatura mais do que nunca

Encorajado pelas críticas negativas que o filme mais recente de Alexander Payne recebeu depois de sua apresentação no festival de Veneza, decidi vê-lo. Até então, Pequena Grande Vida já era um fracasso total. Tanto que, na Espanha, os distribuidores mudaram o título original, Downsizing, para Una Vida a lo Grande (“uma vida em grande estilo”), na vã tentativa de transmitir essa megalomania que agrada mais do que o reconhecimento de nossa pequenez. Por aí segue o mundo, pessoas que se sentem melhores quando sabem que o outro está pior, caolhos reinando entre cegos. Payne é um dos melhores diretores de nossa época, e o engrandece ter cometido o fracasso vocacional que é seu último filme.

Nele, um casal de norte-americanos médios decide diminuir de tamanho para fazer parte dessas novas comunidades liliputianas que resolvem problemas econômicos e ambientais, com base nas descobertas científicas de alguns noruegueses. Mas, em vez de ilustrar os superpoderes usuais que o cinema concede a seus protagonistas, neste caso os submete ao reconhecimento de seus infrapoderes. Desta forma, trata-se de uma história em quadrinhos de supercoitados, e não de super-heróis.

O filme não só é protagonizado por atores feios e vulgares, como também aqueles que não o são precisam se esforçar para parecer feios. É surpreendente ver uma estrela de Hollywood como Matt Damon adotar as condições de um personagem flácido, calvo e tonto sem o afinco irônico habitual em tais casos, mas com naturalidade. Mas é ainda mais surpreendente vê-lo mostrar uma cena de amor clássica enquanto acaricia o coto de uma imigrante ilegal vietnamita, escandalosa, baixinha e orelhuda. Diante da beleza plastificada e do falso romance, tal dose de realismo sem álibi sujo conduz, inexoravelmente, ao fracasso comercial. O filme pode não conseguir encadear sua tese para uma visualização memorável, mas os fluidos de corrosão merecem algo mais que o desprezo em um panorama de nula capacidade de análise.

Encolher-se não resolve os problemas deste personagem central em crise de identidade, que retrata o cidadão médio de hoje, náufrago entre ideais de autoajuda, seduzido por líderes inúteis e vítima dos farsantes vendedores de tônicos capilares transformados em gestores, videntes e gurus. É triste descobrir que não precisamos de um processo de encolhimento, porque já estamos encolhidos. Talvez não sejamos tanto a espécie escolhida, como temos ouvido, mas a espécie encolhida, vulgar, covarde e grosseira que vê inimigos em cada vislumbre de liberdade alheia. Entende-se que um filme tão desconfortável não atraia o público e que ninguém cometa a ousadia de recomendá-lo. Nem pensem em vê-lo.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_