9 fotosNus em tempos sombriosImogen Cunningham foi uma das primeiras fotógrafas profissionais e rompeu barreiras com seus nus. Uma exposição em Madri mostra seu trabalhoGloria Crespo MacLennan09 dez. 2017 - 16:04BRTWhatsappFacebookTwitterLinkedinLink de cópiaDurante uma longa trajetória artística de sete décadas, a fotógrafa americana, Imogen Cunningham (Oregon, 1883 – San Francisco, 1976), conhecida fundamentalmente por seu estudo das plantas e seus retratos de celebridades, passou por praticamente todos os gêneros da área, contribuindo notavelmente para alargar os limites de cada um deles. “Meu primeiro nu foi um autorretrato no bosque, em 1906, no campus da Universidade de Washington. Preparei a máquina e pulei na frente, e isso foi tudo”, dizia ela.Imogen CunninghamOito anos depois de realizar este primeiro nu, a fotógrafa e seu marido, o artista Roi Partridge, viajaram ao Parque Nacional Mount Rainer. Apesar das baixas temperaturas, Roi posou nu para sua mulher. Dias mais tarde, uma dessas imagens ocuparia as páginas da Town Crier, uma publicação de Seattle dedicada à arte e à cultura. A jovem artista se transformaria assim em uma das primeiras fotógrafas a mostrar o corpo masculino nu, seguindo os passos da também fotógrafa californiana Anne Brigman. A reação não demorou: “Um crítico de outro jornal escreveu uma crítica muito dura – uma diatribe terrível qualificando minha obra de muito vulgar”, lembrou Cunningham anos mais tarde. “Não teve o menor impacto em meu trabalho. Ninguém fez mau juízo de mim”.Imogen CunninghamUma exposição em La Fábrica, em Madri, nos aproxima de seus nus com uma pequena, mas bela seleção que abarca várias décadas de produção artística. Exibe assim o olhar e a atitude de um espírito livre e capaz de romper as barreiras que separavam o homem e a mulher no começo do século XX.Imogen CunninghamCunningham fotografava com o olhar de uma mulher, mantendo-se alheia à visão masculina que dominava a área da fotografia à época. Assim, seus nus se afastam do obsceno, da coisificação do corpo da mulher associada à sexualidade, à procriação e à divindade e exibem o valor e a beleza do corpo em si mesmo, seja este masculino ou feminino. A artista persegue a beleza através das formas. “Um olhar próximo ao que tiveram os gregos, que ligavam a perfeição ao triunfo e à excelência moral que os corpos mostravam”, diz a nota que acompanha a exposição.Imogen Cunningham“Quero que todo mundo seja autodidata. Não acredito no ensino, acredito na aprendizagem”, dizia a artista. Dessa forma, conseguiu sua primeira câmera aos dezoito anos, um brinde por comprar um curso por correspondência de quinze dólares. Foi estudante de química enquanto Alfred Stieglitz fundava o movimento Photo-Secession em defesa da fotografia como meio de expressão artística e independente de toda tradição visual. Chamaria sua tese de Modern Processes of Photography. Depois passou a trabalhar como ajudante do fotógrafo Edward S. Curtis (famoso por suas fotografias dos índios norte-americanos). Após sua passagem pela Technische Hochschule de Dresden, Alemanha, abriu seu próprio estúdio de retratos em Seattle e não demoraria a se transformar em uma das primeiras fotógrafas profissionais da América.Imogen CunninghamSeus primeiros nus têm claras características pictóricas, com suaves desfocados e elaboradas técnicas de impressão feitas para acentuar as emoções. Mas já nos anos vinte começaria a desenvolver um estilo muito mais próximo a Edward Weston, centrando-se na busca das formas.Imogen CunninghamAs plantas se transformaram em seu tema preferido durante o tempo de criança de seus três filhos. Suas imagens de copos-de-leite e rosas com seus proeminentes estigmas e lânguidas pétalas têm uma carga erótica superior à de seus nus que se mostram como mais um envoltório do ser humano. Nos anos trinta fundaria o grupo f/64 junto com Edward Weston, Ansel Adams e Willard Van Dyke, manifestando sua preferência por uma fotografia mais pura, direta e claramente definida em contraposição ao pictorialismo. Dessa forma, encontramos na exposição nus de clara influência westoniana que curiosamente convivem com outros que beiram a abstração como Her and Her Shadow, evidenciando sua tendência natural a escapar de qualquer tipo de definição. A artista sempre mostrou muito menos interesse pela pureza das formas que muitos de seus contemporâneos modernistas, de modo que seus nus têm um caráter mais humano.Imogen CunninghamCunningham fotografava com sua câmera tudo aquilo que “pode estar exposto à luz”, tal como gostava de dizer. Em seus últimos anos se transformou em uma das figuras mais veneradas da fotografia. Fazia parte da história, ao mesmo tempo em que conseguia manter o ritmo imposto pelo cenário contemporâneo. No começo desse ano, foi realizada uma exposição no Fine Arts Museum de Boston onde foi exibida parte de sua série de nus, Nudes. Publicados no Instagram, como parte da publicidade da mesma, foram censurados por transgredir as regras da decência. Essa prática é comum no Facebook que, alegando utilizar um algoritmo para regular qual foto pode ser publicada, é incapaz de distinguir entre arte e pornografia e chegou a censurar A Origem do Mundo de Coubert, um vídeo com nus de Modigliani e a simbólica fotografia de Nick Ut, A Menina do Napalm, para citar os casos mais conhecidos.Imogen CunninghamNão deixa de ser curioso que uma obra de arte signifique uma ameaça nas redes sociais, onde têm lugar as imagens mais cruéis e violentas, e de forma natural convivem na mesma categoria e sem nenhum pudor a verdade com a mentira, a opinião do profano com a do mais entendido. Imogen Cunningham lutou a favor do reconhecimento da fotografia como uma arte e morreu acreditando que essa luta já estava ganha. Todos nós acreditávamos...Imogen Cunningham