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Maike Weber, a sem-terra goleira da seleção brasileira

Sobrinha de vice-campeã olímpica, jogadora cresceu em assentamento do MST e celebra primeira convocação

Maike Weber, em treinamento pelo seu time, o Flamengo/Marinha.
Maike Weber, em treinamento pelo seu time, o Flamengo/Marinha.CR Flamengo
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Aos 24 anos, Maike Weber não se contém ao falar sobre sua primeira convocação à seleção brasileira feminina de futebol, um de seus maiores sonhos: "Foi uma sensação incrível. Quando fiquei sabendo, não aguentei e chorei muito. Tenho certeza de que estou orgulhando e representando a todos que fazem parte do movimento", afirmou a goleira, que foi uma assentada do MST (Movimento dos Sem-Terra) durante boa parte de sua infância e adolescência. "A vida para nós sempre foi bem difícil. Em meio a tanto preconceito, principalmente da mídia, além da falta de apoio aos pequenos agricultores, vamos conseguindo conquistar nosso espaço aos poucos", contou ela ao EL PAÍS.

Maike integrou a primeira semana de trabalhos na temporada de 2017 da seleção brasileira de futebol feminino, no Centro de Treinamentos da Granja Comary, no Rio de Janeiro, atual Estado de Maike, atleta do Flamengo/Marinha. A primeira lista do ano, feita para testes entre os dias 6 e esta sexta-feira, conta apenas com jogadoras que atuam no Sudeste e no Sul.

É do Sul que vem Maike, uma goleira de trajetória singular. Natural de Maravilha (SC), ela cresceu em Dionísio Cerqueira (SC), cidade do assentamento Conquista na Fronteira, localizado na fronteira entre Brasil e Argentina. Não se trata de um assentamento qualquer. O Conquista na Fronteira é tido como um exemplo de organização para o MST, e existe há quase três décadas, contando hoje com cerca de 60 famílias vivendo nos 1198 hectares que delimitam o local. O renome do lugar leva estudantes, pesquisadores, integrantes de governos, entre outras pessoas a o visitarem todos os anos. "É uma lição de vida morar lá. Estamos sempre na luta, e nosso lema é 'ocupar, resistir e produzir", explica.

A rotina no assentamento jamais afastou a goleira do seu amor pelo futebol. Desde a juventude no extremo oeste catarinense ela já sabia em quem se inspirar. Tia de Maike, Marlisa Wahlbrink, ou "Maravilha", como era conhecida, foi goleira da seleção brasileira por vários anos e disputou duas vezes os Jogos Olímpicos: em 2000, quando ficou com a medalha de bronze, e 2004, ano em que faturou a prata. "Ela foi minha maior inspiração e continua sendo até hoje. É um espelho para minha carreira", diz a sobrinha.

Maike com sua tia, a goleira Maravilha.
Maike com sua tia, a goleira Maravilha.Arquivo pessoal

Tendo a tia como um ídolo, Maike deu seus primeiros passos no futebol em brincadeiras com seus irmãos e amigos que viviam em Dionísio Cerqueira, e logo começou a jogar pelo Estrela Vermelha, time de sua comunidade. Curiosamente, até se mudar para São Paulo, ela era atacante. Ao chegar ainda adolescente na capital paulista, para atuar pelo Saad, foi aconselhada a jogar no gol por conta de sua estatura e por ser sobrinha de uma goleira de seleção.

De 2008, o primeiro ano de Weber longe de casa, em diante, a carreira deslanchou: além do time paulistano, atuou por Volta Redonda (RJ), Portuguesa (SP), Kindermann (SC), entre outros clubes, até que, em maio do ano passado, chegou ao Flamengo/Marinha (RJ), parceria da equipe feminina das Forças Armadas com o clube carioca. Por defender um time militar, Weber disputa os Jogos Mundiais Militares, possui carteira assinada e recebe diversos benefícios, como décimo terceiro e auxílio natalino. "Nenhum outro clube tem isso", destaca.

Futebol feminino no Brasil

Desde os tempos de sua tia, a modalidade evoluiu no país. Mas Maike quer mais, e acredita que ainda há muito para se aperfeiçoar. "Estamos numa crescente, mas o processo anda em passos de tartaruga. Precisamos de calendários fixos para todo o ano, com datas certas de início e término dos torneios. O povo brasileiro também precisa nos olhar de uma maneira diferente", critica a goleira, que não esconde suas ambições. "Em consequência disso, muitas meninas estão indo em busca de seus sonhos para fora do país, e meu caso não é diferente. Meus planos são de ir para a Europa, onde o futebol feminino é muito mais respeitado". E não é à toa: ela se lamenta sobre um episódio no qual se deparou com o desrespeito e o machismo: "Já me disseram que mulher não tem que jogar bola, que lugar de mulher é em casa", recorda. Se no esporte sofreu preconceito por ser mulher, ela se sente à vontade sobre a infância no Conquista na Fronteira, onde cresceu em família humilde. "Nunca sofri com isso. Tenho orgulho de falar sobre minha origem com as minhas colegas", conta a catarinense.

Maike enxerga em Emily Lima, a primeira mulher a treinar a seleção, uma potencial responsável por mudanças significativas no futebol feminino brasileiro e acredita que a experiência da técnica fora do Brasil pode ajudar no desenvolvimento do esporte no país. "É importante que alguém traga uma visão diferente da que temos aqui no dia a dia. Ela carrega uma bagagem grande e tem muito a contribuir para a seleção".

A goleira encerrou na manhã desta sexta-feira o seu primeiro trabalho na seleção com um jogo-treino no qual a equipe o Flamengo por 2 a 1. Maike atuou por pouco menos de meia hora, já que as quatro goleiras teriam de estar em campo nos 90 minutos de partida, mas ela demonstra confiança numa futura convocação para ocupar sua vaga na equipe. Ela parece reeditar seu lema dos tempos de MST: ocupar seu espaço na seleção, resistir à forte concorrência pela posição para produzir ótimas atuações com a camisa de seu país.

Maike treinando pela seleção, ao lado das também goleiras Dani, Camila e Géssica.
Maike treinando pela seleção, ao lado das também goleiras Dani, Camila e Géssica.Kin Saito (CBF)

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