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Editoriais
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Cai a noite sobre Washington

Resultado eleitoral dos EUA coloca o mundo em uma profunda incerteza

Militantes democratas acompanham a contagem dos votos em Nova York.
Militantes democratas acompanham a contagem dos votos em Nova York.ELSA (AFP)

A vitória do candidato republicano Donald Trump na eleição presidencial norte-americana é uma péssima notícia para todos os democratas do mundo. E se torna, ao mesmo tempo, uma fonte de satisfação e oportunidades para os inimigos da democracia.

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O resultado devastador de um demagogo, imprevisível e, portanto, perigoso líder em sua corrida para a Casa Branca joga o mundo na mais completa incerteza, com repercussões econômicas e geopolíticas imediatas. A comoção sofrida pelos eleitores democratas nos Estados Unidos é paralela à vivida nas capitais europeias, que correm o risco de serem abandonadas por Washington em um momento histórico especialmente complicado pela combinação de ameaças externas e uma importante crise de identidade interna. Depois do Brexit, o resultado de Trump poderia representar o fracasso do projeto europeu, que os EUA sempre inspiraram e protegeram.

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O eleitorado norte-americano demonstrou que nenhuma sociedade, por mais próspera e com mais tradição democrática que tenha, está imune à demagogia, que promete soluções rápidas e fáceis para problemas complicados — como os efeitos da crise econômica ou a gestão da imigração — ao mesmo em que aponta seu discurso de ódio contra qualquer minoria ou coletivo que possa servir como bode expiatório. Não importa que sejam os mexicanos, rebaixados à categoria de estupradores e traficantes de drogas, as mulheres, chamadas de intelectualmente inferiores, ou os muçulmanos, classificados sem exceção como terroristas. Esperemos que, como aconteceu no Reino Unido, as minorias não sejam as primeiras vítimas dessa onda de fanatismo racista.

Essa votação prenuncia um futuro negro de instabilidade econômica e incerteza política, especialmente se Trump coloca em marcha de forma imediata a agenda protecionista com a qual atraiu seus eleitores. Com os votos de ontem, os norte-americanos decidiram qual papel desempenhará seu país no mundo, e isso não tem nada a ver com o que os Estados Unidos conseguiram e representaram nos últimos 100 anos. Milhões de cidadãos do país que ganhou duas guerras mundiais em defesa da liberdade e contra o totalitarismo e que durante meio século empregou uma enorme quantidade de recursos para proteger as democracias aliadas deram um voto de confiança a um homem que acredita que a segurança dos EUA depende de ignorar o que está acontecendo com o mundo e com seus aliados históricos.

Um autêntico e perigoso infantilismo aplicado às relações internacionais com que a Rússia e a China certamente estão esfregando as mãos. Mas não se pode dizer que não tenham sido emitidos sinais claros. Pela primeira vez em muito tempo, estiveram sobre a mesa duas opções não só diferentes, mas claramente antagônicas; a internacionalista e multilateralista, defendida por Hillary Clinton, e a isolacionista, de Donald Trump. E ambas foram claramente explicadas ao longo da campanha.

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O que se consumou nesta quarta-feira foi uma chacoalhada nos pilares sobre os quais se sustenta a ordem internacional, seja o comércio ou a segurança calcada na aliança entre as democracias. E a Europa surge como a maior prejudicada nesse terremoto político em pelo menos três questões de importância vital: a primeira é a concretização do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP), que constituía uma parte fundamental da estratégia europeia para reforçar os laços políticos com os Estados Unidos. O segundo ponto é a ameaça jihadista, diante da qual Washington tem colaborado, até agora, com seus serviços de inteligência e com uma presença militar no sul da Europa. A terceira questão é a necessidade urgente, por parte da Europa, de um respaldo norte-americano inequívoco na crise político-militar com a Rússia. O presidente Vladimir Putin realizou movimentos impensáveis durante a Guerra Fria convencido de que a Europa é frágil para reagir a eles. E pode contar agora, além disso, com a relutância dos EUA em intervir. A União Europeia, portanto, tem motivos de sobra para estar mais do que preocupada com os caminhos que podem ser tomados por aquele que tem sido o seu aliado mais confiável.

O sistema democrático norte-americano demonstrou funcionar com total clareza e transparência e ser acessível a candidatos, como Trump, que não veem nele essas duas características e que anunciam previamente que não reconheceriam a sua derrota. Graças às premonições dos pais fundadores, que sempre tiveram em mente a ideia de que alguém como Trump pudesse chegar à Casa Branca, a Constituição dispõe de um consistente sistema de contrapesos destinado a evitar o Governo despótico baseado na tirania da maioria. Esses mecanismos terão certamente de ser empregados com Trump, que, como todo populista, precisa aprender que os votos não justificam tudo e que, na democracia, sempre prevalece a lei, a liberdade e os direitos individuais.

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