_
_
_
_
_

Conheça os games da sala de aula que ajudam até a detectar transtornos

Jogos educativos são usados para instigar o interesse do aluno e trabalhar habilidades cognitivas

Você é um rico proprietário de terras na Inglaterra do século XVIII e tem como missão contratar camponeses como força de trabalho e investir em métodos de produção mais eficientes. De repente, um surto de produtividade toma conta da vila e o preço dos alimentos que você produz caem drasticamente. Como alternativa a esta forte crise, você decide se mudar para a cidade, uma promessa de prosperidade graças ao surgimento de tecnologias de manufatura de última geração, super modernas para a época. Sua nova missão, agora, é abrir fábricas e fazer as cidades crescerem - afinal, os consumidores são a alma de seu negócio. Aprender Revolução Industrial pode ser muito mais interessante na frente de um computador, dentro de um game, do que numa lousa, ainda que os jogos não bastem sozinhos para transmitir todos os conceitos importantes de uma disciplina.

Industrialis, jogo que trabalha conceitos da Revolução Industrial na Inglaterra.
Industrialis, jogo que trabalha conceitos da Revolução Industrial na Inglaterra.

O Industriali, jogo que aborda a Revolução Industrial, partiu de um centro de pesquisa da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), o Comunidades Virtuais, que se dedica exclusivamente ao desenvolvimento de jogos educativos. O primeiro lançado pela instituição, em 2006, foi o Tríade, sobre a Revolução Francesa. Mas hoje o centro soma mais de dez games, que abordam desde o sistema imunológico até raiz quadrática, que são abertos e gratuitos para quem quiser utilizar em sala de aula com os alunos. Basta fazer o download do aplicativo no site da instituição.

"Os jogos permitem algo que é muito difícil de conciliar nas salas de aula de hoje, a multidisciplinaridade. Um mesmo game pode passar da história para a geografia, para a literatura, para a matemática", explica a pesquisadora Lynn Alves, responsável pelo centro. Ela, que tem 35 anos de magistério, começou a estudar a função educativa dos games há mais de 20 anos. "Os jogos fazem parte da vida dos alunos, não adianta ignorarmos isso. Podemos competir a atenção dos estudantes com os games, ou usar isso a nosso favor", afirma.

Mais informações
Por que os trintões ficaram malucos com o Pokemon Go?
O falso feminismo que ‘Game of Thrones’ esconde
Ela criou um aplicativo na escola para lidar com doença rara do pai
A professora que usou funk para ensinar Marx (e acabou repreendida)

Para Lynn, um exemplo que justifica a necessidade da escola se adaptar à nova realidade do processo de aprendizagem está numa pergunta que ela mesma ouviu de um aluno um dia, durante um debate sobre Revolução Francesa: "aconteceu como em Assassin's Creed, né, professora?". Ainda que o não tenham o aprendizado enquanto objetivo, como é o caso do (violento) Assassin's Creed, alguns games permitem trabalhar o conteúdo previsto na grade curricular assim mesmo. "Claro que haverá anacronismos por licença poética, mas jogos como esse permitem até fazer uma discussão da questão de gênero", defende. Mas os pais precisam fazer, sim, uma mediação daquilo que o filho joga, segundo Lynn, não apenas por uma questão de adequação do game à faixa etária do aluno, mas também para entender o que ele está assimilando de conteúdo.

O projeto mais recente do Comunidades Virtuais é uma plataforma desenvolvida para ajudar professores no ensino de alunos com necessidades especiais e déficit de atenção, batizada de Gamebook, que trabalha com conteúdo multimídia, como jogos, vídeos e audiolivros. O primeiro jogo dentro dessa plataforma é o Guardiões da Floresta. Com personagens do folclore brasileiro, o aluno é desafiado a solucionar problemas que irão exigir o treino de funções cognitivas importantes, como atenção, planejamento e memória.

"Os piores desempenhos escolares de crianças entre 8 e 11 anos estão ligados a déficits nessas funções básicas. É nessa faixa etária, inclusive, que muitos pais descobrem que seus filhos sofrem de TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade]", explica Lynn.

Fim do monólogo

Foi por causa dos jogos educativos, que encontrou por conta própria na internet, que Ramon da Costa, de 19 anos, voltou a se interessar pela sala de aula. Este ano ele está terminando o supletivo na cidade onde mora, Campo Mourão, Paraná, para conseguir o diploma do ensino médio. Ramon havia abandonado a escola quando começou a ter síndromes do pânico, no 8º ano do fundamental. “Eu não conseguia mais entender o que os professores falavam, não me concentrava nas aulas”, conta. Para ele, é mais fácil aprender com ferramentas multimídia, que tornam a matéria um pouco mais concreta. “Entender a estrutura de uma célula, ou geometria, é mais complicado num texto. Mas quando assisto a vídeos no computador ou quando jogo um game, fica mais fácil visualizar”, afirma.

Segundo Manoel Dantas, fundador do Click Ideias, empresa que desenvolve plataformas educativas multimídia, cada aluno tem um ritmo de aprendizado próprio, uma área de interesse, uma necessidade particular e os jogos podem ajudar os professores a trabalharem, numa mesma sala, conteúdos e níveis distintos. "Os estudantes demandam um ambiente de aprendizado em que eles possam ser mais autônomos, protagonistas. Os jogos permitem ao aluno progredir aos poucos, à sua maneira. Mas, acima de tudo, os games podem estimular o interesse por disciplinas que seriam muito chatas de assimilar numa lousa, por meio de um monólogo do professor", diz.

Governos estaduais, como o do Rio Grande do Norte, São Paulo, Ceará e Santa Catarina, já contratam a Click Ideias para oferecer jogos e materiais multimídia para a rede pública de ensino. Um dos frutos dessas parcerias foi o jogo Terra dos Mártires, que a empresa desenvolveu para ensinar o Massacre de Uruaçu, conflito entre holandeses e potiguares em 1645 na cidade que hoje se chama São Gonçalo do Amarante.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_