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BC europeu promete novos estímulos caso crise na China se agrave

BCE flexibiliza programa de compra de ativos e reduz previsões para crescimento e inflação

Claudi Pérez
O presidente do BCE, Mario Draghi, nesta quinta-feira em Frankfurt (Alemanha).
O presidente do BCE, Mario Draghi, nesta quinta-feira em Frankfurt (Alemanha).M. Leissl (Bloomberg)

Um mundo sob a influência da crise, no qual cada nova crise vem na esteira da anterior: a Grande Recessão, que começou nos Estados Unidos e depois acampou na Europa, acaba de aterrissar nos países emergentes, particularmente na China, que passou da posição de ser a que melhor enfrentava o problema à principal fonte de preocupação. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, prometeu nesta quinta-feira novos estímulos caso a crise se agrave: mais compras de ativos públicos e privados por um prazo mais longo. Draghi não vai puxar o gatilho imediatamente. Prefere dar um prazo adicional para fazer o disparo, embora o panorama econômico esteja piorando com rapidez.

Lei de conservação da crise: desde os anos oitenta, a instabilidade não deixa de aparecer aqui e ali, e episódios problemáticos têm aumentado nos últimos tempos. Desde o colapso do Lehman Brothers, a crise é uma espécie de mutante que atingiu os EUA e a Europa, os mercados financeiros e a economia real, o sistema bancário e os Estados e suas dívidas. Apenas os países emergentes haviam conseguido ficar de fora do radar da Grande Recessão, com uma ambiciosa resposta política combinada com uma enorme capacidade de resistência, devido às reservas acumuladas no último período de bonança. Pode ser que isso já tenha acabado: a turbulência na China e em outros países e a desvalorização dos preços das matérias-primas ganharam destaque nas últimas semanas, e ainda não se sabe até onde vai esse redemoinho. A turbulência é sentida até mesmo em Frankfurt: Draghi renovou o programa de compra de ativos públicos e privados —de 60 bilhões de euros (250 bilhões de reais) por mês pelo menos até meados de 2016— e deixou claro que o BCE "está pronto" para ampliar esse valor se a crise nos mercados emergentes, particularmente na China, tiver um impacto mais forte sobre a economia europeia.

O anúncio teve um tom pessimista, quase lúgubre. Ficou claro que o BCE ainda não discutiu as medidas que serão adotadas. Mas, ao mesmo tempo, acabaram as dúvidas se o BCE vai continuar comprando títulos depois do terceiro trimestre de 2016. E é possível que também tenha de aumentar o volume total de compras—um trilhão de euros—, se a tempestade na China e em outros países emergentes se transformar em furacão.

Draghi leva a sério a versão chinesa da crise; afinal de contas, os efeitos da volatilidade das últimas semanas já são sentidos na Europa. O BCE cortou as previsões de crescimento econômico para este ano e para os dois seguintes: será de 1,4%, 1,7% e 1,8% em 2015, 2016 e 2017, respectivamente. Confirmou, finalmente, que a expectativa é de uma recuperação lânguida e sem brilho depois de uma crise que tem sido feroz. E o mais importante: também reduziu as previsões para a inflação e disse que as coisas podem piorar. O BCE, apesar de seu arsenal de medidas excepcionais, ainda é incapaz de cumprir suas metas. Os índices de preços europeus flertam este ano com a deflação —a alta não chegará a 0,1%--, para subir muito lentamente para 1,1% em 2016 e 1,7% em 2017. Seis meses após o início do programa de compras de bônus no estilo dos EUA, os preços ainda estão longe da meta do BCE.

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Cada dado divulgado por Draghi foi pior do que a previsão anterior. Contra esses números usou sua retórica habitual, destinada a convencer os mercados sem mexer uma ficha: "O BCE está pronto para agir se necessário", disse. "Estamos preparados e temos capacidade para agir", reiterou. E ainda deu pistas sobre para onde vai disparar. "O programa de compra de ativos não tem limites: é possível ampliar o tamanho das compras e a duração do programa." Essa última possibilidade — estender o QE (sigla de quantitative easing, ou afrouxamento monetário) europeu para depois de setembro de 2016— é a favorita em Frankfurt porque causaria menos distorções no mercado. Draghi teve o cuidado de destacar essa opção em seu discurso. E os mercados responderam aos seus sinais: as bolsas subiram e o euro caiu 1% de uma só vez.

Não podia fazer muito mais: ampliar o QE a partir de agora teria sido um sinal de fraqueza, quase de pânico, um sinal muito perigoso nesta fase ainda inicial, na qual é impossível dizer se a crise emergente é um pedaço de gelo ou um enorme iceberg. O que o chefe do BCE fez foi aumentar a margem de manobra: subiu de 25% para 33% os limites para as compras em uma única emissão e da dívida total de um país. Por trás desse detalhe aparentemente técnico há uma mudança de peso: dessa forma, o BCE terá mais flexibilidade caso precise elevar o volume ou o prazo das compras para além de 2016, sem colocar esses limites em perigo. A razão ficou clara em sua conferência de imprensa: Draghi está preocupado com os emergentes. E, especialmente, com a China. A gestão da crise pelas autoridades chinesas nas últimas semanas, tanto na gestão dos mercados financeiros quanto da taxa de câmbio, foi uma surpresa desagradável: as chances de que a China meta os pés pelas mãos já não são nulas. Todo mundo sabia que a China não cresceria 10% para sempre. Mas o fim da inocência não parecia incluir possíveis erros na política econômica do gigante asiático.

"É prematuro saber se o que acontece na China é duradouro ou um fenômeno temporário", disse Draghi com sua proverbial elegância. "Esperamos que as autoridades chinesas nos deem mais informações no G-20", concluiu, deixando transparecer uma pitada de desconfiança. O medo do efeito China está instalado, em cada gesto e em cada palavra dos presidentes dos bancos centrais, não só de Draghi. Resta saber que fantasmas se tornarão realidade.

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