Grécia e os credores acordam a criação do Fundo de privatização

O depósito de garantias terá duração de 30 anos e será supervisionado por Bruxelas

O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, em 5 de agosto.Yorgos Karahalis (AP)

As negociações entre a Grécia e a conhecida hoje como quadriga (FMI, Comissão Europeia, BCE e o MEDE, Mecanismo de Estabilidade) avançam “progressivamente”, repete continuamente o Executivo da UE. As palavras, então, estão se transformando em fatos. Na sexta-feira, funcionários de ambas as partes que se sentam à mesa das negociações encerraram o primeiro grande capítulo dessa nova saga: o Fundo de ativos estatais, de acordo com um documento de trabalho interno –  de 7 de agosto – ao qual EL PAÍS teve acesso no sábado.

O fundo teria vigência de 30 anos, um valor de 50 bilhões de euros (cerca de 192 bilhões de reais), sede em Atenas – e não em Luxemburgo, como queriam os credores – e supervisão total da Comissão Europeia. Estas são as características básicas do fundo estatal que Atenas e seus credores acordaram, segundo esse documento de apenas duas páginas, na sexta-feira. Fontes diplomáticas, no entanto, preferem não cantar vitória prematuramente e argumentam que “nada está acordado até que tudo, em seu conjunto, esteja acordado”.

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O Fundo, presumivelmente, acolherá todos os bens suscetíveis de serem privatizados até 2045, como empresas estatais (OTE, a Autoridade Portuária do Pireu), infraestruturas públicas (portos, aeroportos, marinas) e ativos imobiliários. “É possível”, avança o documento, que os recursos naturais (operações de mineração e de petróleo) também sejam incluídos a esse depósito de garantia para fazer frente à dívida que se aproxima de 200% do PIB grego. Uma alta fonte com presença nas negociações afirma, no entanto, que “nada está totalmente decidido”.

A não ser que o acordo seja assinado e submetido à votação parlamentar nos países que o requerem (Finlândia e Alemanha, entre outros), Atenas receberia um segundo empréstimo-ponte para fazer face às necessidades mais prementes, entre elas o pagamento de 3,5 bilhões de euros ao Banco Central Europeu, que vence em 20 de agosto. Daí a urgência manifestada por ambas as partes para fechar o negócio.

Frente às críticas que o Governo grego recebeu nas últimas semanas por conta da possível venda dos bens do país, o documento esclarece que “a transferência de ativos não significa necessariamente sua venda”, embora advirta que “alguns estabelecimentos podem ser vendidos, outros podem ter concessões de longo prazo e outros podem gerar renda para o próprio Fundo”. A intenção das autoridades gregas é, no entanto, fazer todo o possível para evitar a venda dos ativos públicos. O Fundo, portanto, deve “inventar” maneiras de ter uma renda permanente. Um exemplo seria impor uma pequena taxa para cada contêiner transportado por trem ou avião.

Como já foi divulgado em julho, 50% do dinheiro do Fundo será usado para a recapitalização bancária, 25% irá para investimentos na produção e os outros 25% para o pagamento da dívida.

A existência desse mecanismo de garantia de pagamento – que vai durar três décadas, consideradas um período de “respiro” para a criação de rendimentos na propriedade pública – foi uma das condições pactuadas na cúpula de 13 de julho, em Bruxelas, que conseguiu desbloquear a situação crítica para a qual avançava a Grécia. O Executivo do primeiro-ministro Alexis Tsipras, apesar das críticas da ala mais radical do seu próprio partido (Syriza), aceitou, embora as condições estivessem então a detalhar.

Este último acordo indica que as condições do terceiro resgate não estão longe de chegar ao seu fim. Fontes do Executivo da UE insistem que a próxima terça-feira será “decisiva” para determinar se existem as condições necessárias para assinar um memorando de entendimento para o terceiro resgate estimado em 86 bilhões de euros – caso em que seria realizada uma reunião do Eurogrupo no fim de semana para ratificar o acordo – ou se, caso contrário, a Grécia necessita do segundo empréstimo-ponte para honrar seus compromissos mais imediatos: 3,5 bilhões de euros ao Banco Central Europeu no dia 20 deste mês. “É um calendário ambicioso”, adverte Bruxelas.

Segundo fontes próximas à negociação, haveria um princípio de acordo sobre a alteração da tributação agrícola, a desregulamentação de algumas profissões (“profissões fechadas” em grego), que foi um cavalo de batalha com a anteriormente chamada troika desde o primeiro resgate, e também a abertura das lojas aos domingos, que tem forte oposição na Grécia da Igreja Ortodoxa às pequenas e médias empresas, relata Maria Antonia Sánchez-Vallejo. No entanto, as questões que permanecem pendentes são as ações prioritárias que deveriam ser aprovadas agora pelo Parlamento grego e quantos recursos a Grécia receberia ao se aprovar o terceiro resgate. Atenas espera receber um total de 25 bilhões ao fim do mês, dos quais metade seria utilizada para cumprir as obrigações de dívida.

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