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Internacional de Lages, o clube que esperou 66 anos para pegar um avião

O time catarinense sai pela primeira vez de sua cidade natal

A delegação do primeiro voo do Inter de Lages.
A delegação do primeiro voo do Inter de Lages.Greik Pacheco (Divulgação)

O nome escolhido para o clube era ambicioso: Internacional. Para estar à altura da pretensão sugerida pelo nome, o livro de assinaturas que marcou sua fundação tinha que ser aberto pela rubrica de maior quilate disponível na cidade. Não tinha erro: a assinatura colhida foi a de Nereu Ramos, então vice-presidente da República e presidente do Senado – de forma simultânea –, ex-governador de Santa Catarina e futuro presidente do Brasil na comoção nacional pós-suicídio de Getulio Vargas. Isso tudo ocorreu em 1949, em Lages, na Serra catarinense, uma cidade com 156.000 habitantes. Sessenta e seis anos depois, o clube que nasceu sugerindo épicos embates em solo estrangeiro jamais passou de Curitiba. Na verdade, ele nunca saiu do Sul do país. Mais que isso: o Internacional, com um presidente do Brasil como padrinho, sequer havia embarcado em um avião até semana passada. As seis décadas e meia sem saber o que é guichê de aeroporto acabaram nesta sexta-feira: o Internacional de Lages fez o primeiro voo de sua vida.

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O time é um dos clubes mais longevos do hoje ascendente futebol de Santa Catarina. Mas, ao contrário de Avaí, Chapecoense, Figueirense e Joinville, todos integrantes da Série A do Campeonato Brasileiro, e do Criciúma, que está na B, nunca fez muito barulho além de sua aldeia. Título estadual na primeira divisão foi um só – e no já embolorado ano de 1965. O clube está na Série D, a quarta e última divisão do futebol nacional. A competição marca seu retorno ao cenário nacional depois de 49 anos de ausência. Isso mesmo: o clube que levou 66 anos para entrar em um avião já esperava para voltar a uma competição nacional havia quase meio século. A anterior (e única) foi a Taça Brasil de 1966.

A estreia do Inter de Lages nos céus foi também a de Islas Scorsatto. Ex-goleiro dos juniores do clube, ele é hoje roupeiro da equipe – e, aos 21 anos, fez com o clube a primeira viagem de avião de sua vida. “Eu não faço ideia de como é. Dá até um certo nervoso”, disse ele na véspera do embarque. No Aeroporto de Guarulhos, onde a delegação desembarcou, Islas não aparentava o nervosismo da véspera. “Foi tranquilo”, resumiu. Menos tranquila foi sua noite de sono. Como o grupo tinha que viajar às 5h da manhã para Florianópolis, o roupeiro foi dormir por volta de 1h da manhã e acordou às 3h30min.

Muitos atletas acusavam no rosto a aparência de quem precisou acordar antes de 5h da manhã para um voo que partiria mais de seis horas depois. E não era apenas o sono que incomodava. “A viagem foi sossegada. O duro é a fome”, disse, entre risos, o zagueiro Vitor Hugo. Como o voo entre Florianópolis e Guarulhos dura apenas uma hora, não foi servida refeição na aeronave. Sobre a mesa que Vitor dividia com três colegas em um café do terminal havia um pacote – vazio – de biscoito recheado.

Armindo Araldi, um dos fundadores do clube.
Armindo Araldi, um dos fundadores do clube.Divulgação

Se o clube nunca tinha voado, não foi por falta de aeroporto. O que falta é avião. Em sua primeira decolagem na vida, o Inter de Lages, ironicamente, teve que viajar 220 quilômetros de ônibus para embarcar em Florianópolis. Lages tem um aeroporto funcional, com pistas de 1530 metros de comprimento (para efeito de comparação, a maior pista do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, tem 1320 metros), mas nenhum voo regular. Ainda assim, há um segundo aeroporto em construção, em Correia Pinto, a apenas 20 quilômetros de Lages. A obra começou em 2000 e já consumiu mais de R$ 30 milhões, mas não tem data de conclusão prevista. Ainda vai levar um tempo até que o Inter comece a acumular milhas aéreas a partir de voos locais.

O nome de batismo do clube é Esporte Clube Internacional, mas é com o nome da cidade como sufixo que ele é mais conhecido. A despeito do nome, o clube nasceu com pretensão apenas de disputar amistosos na região de Lages. Para os colorados pioneiros, surpresa maior que esperar 66 anos para embarcar em um avião é, na verdade, o clube estar vivo até hoje. “A gente nem imaginava disputar competições. A ideia era viajar aos sábados à tarde, dançar um baile à noite, jogar no dia seguinte e voltar”, diz Armindo Araldi, de 84 anos, um dos 12 garotos que fundaram o clube em 1949. “E no baile sempre dava para arranjar uma namoradinha.” Viajar de avião? Para quê, se os bailes e as moças estavam perto?

Lages, a terra do Inter, tem identidade com o que genericamente se chama de “cultura gaúcha”. Para além de gentílico do Rio Grande do Sul, gaúchos, termo que também identifica argentinos e uruguaios, estão ligados pela atividade da pecuária. Cavalos, bois, laços e facas estão no imaginário comum dessa região, Lages incluída. Se na cultura há semelhanças com o estado e os países vizinhos, na política, ao menos em Santa Catarina, não há paralelo possível: Lages é a cidade que mais deu governadores ao Estado na história. Ao todo, cinco governadores catarinenses saíram de Lages. A lista inclui o atual, Raimundo Colombo (PSD), três vezes prefeito da cidade antes de comandar o Estado. Colombo se diz torcedor do Santos, mas divide sua paixão futebolística também com o clube de sua cidade. Em dias de jogos importantes do Inter, ele já saiu de reuniões perguntando qual foi o placar, segundo relatos correntes na cidade.

Neste sábado, em Campinas (SP), o Inter enfrenta o Red Bull, o primo rico em um campeonato de pobres. O clube pertence à fabricante de bebidas energéticas austríaca de mesmo nome, conhecida por investir pesadamente em esportes como automobilismo, corridas aéreas e uma infinidade de modalidades dos chamados esportes radicais. A opulência do adversário contrasta com o jeitão matuto do Inter, que só agora soube o que é voar. Mas, para uma equipe que nasceu para levar seus fundadores a bailes nas redondezas de Lages, entrar em um avião não deixa de ser uma vitória.

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