‘Ajuste fiscal’ nos restaurantes: a receita para enfrentar a crise
Bares cortam ingredientes caros, estendem happy hours e apostam em promoções para driblar recuo de até 30% no faturamento
Em tempos de crise, bares e restaurantes têm procurado a receita ideal para sobreviver. O aumento nas despesas básicas como conta de luz, água e aluguel, a disparada nos preços dos produtos, somado à queda de clientela faz com que as cozinhas se reinventem para voltar a atrair clientes e também equilibrar os gastos para sair do vermelho. Um prato mais “ajustado”, com corte de alguns ingredientes mais caros, promoções, cortesias e horários estendidos de happy hour são algumas das estratégias adotadas pelo setor.
“É inevitável, com o dinheiro mais curto, o primeiro corte que as pessoas promovem é no lazer. Elas deixam de comer fora de casa ou diminuem bastante essa saída”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) de SP, Perciaval Maricato. Segundo ele, nos primeiros três meses deste ano houve um recuo de 10% no faturamento dos estabelecimento. Alguns restaurantes, no entanto, afirmam que essa queda chegou a 30%.
É o caso do restaurante Pira Sanduba, localizado na Vila Madalena, na Zona Oeste de São Paulo, que resolveu renovar o cardápio e retirar alguns produtos com pouca saída para tentar reverter o quadro de queda no faturamento sem ter que repassar o aumento de preço para o consumidor. “Resolvi acabar com a salada de Kani Kana, um produto, que é caro, com um prazo de validade pequeno e que tinha baixíssima procura. Às vezes, também estendemos o happy hour, com doses duplas de bebidas, e fazemos uma promoção: quem compra uma caipirinha leva um petisco. É um custo que fica para nós, mas é a única maneira de atrair os clientes”, explica a sócia-proprietária Vera Marta Costa.
Outra solução encontrada para diminuir os custos foi investir na aquisição de um carro para poder comprar e buscar os produtos direto nos distribuidores, conseguindo, dessa forma, um desconto de 15%. Até então, eram os fornecedores que entregavam. Para a proprietária, a queda da sua clientela e de outros bares na região é o reflexo da crise financeira que atinge os clientes que estão saindo, cada vez menos, de casa para comer. “A maior queda é no fim de semana e de noite. O nosso prato feito (PF) da hora do almoço ainda tem uma boa saída”, explica.
Apesar dessa refeição ainda ser a grande fonte de renda de alguns restaurantes, quem precisa almoçar fora de casa diariamente vem procurando uma opção mais barata. Hoje, um almoço nos restaurantes do país custa em média 27,36 reais, segundo uma pesquisa da Associação das Empresas de Refeição e Alimentação (Assert). Para quem faz essa refeição fora de casa cinco vezes por semana, o gasto mensal chega a 547,2 reais mensalmente, o que representa quase 70% de um salário mínimo.
Para não repassar os aumentos de preços para os consumidores, o restaurante à quilo Kandahali, na Zona Sul de São Paulo, decidiu demitir quase metade dos funcionários e alterar algumas opções do buffet que custa 30,90 reais o quilo. “Tive que cortar a picanha e passei a oferecer no buffet apenas uma opção de carne vermelha, antes eram duas. Algumas vezes compro peixe, mas não diariamente como antes”, conta o sócio-proprietário Ricardo Gomes da Silva.
Ele explica que os preços dos ingredientes estão bastante inflacionados, mas é complicado retirar, por exemplo, um dos mais requisitados da salada: o tomate. O produto teve uma inflação de 20% neste mês. Nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou alta de 10,42% nas refeições fora do domicílio, acima da inflação geral que acumulou alta de 8,24%, segundo os dados de maio do IBGE.
“Para realmente sobreviver a essa inflação eu teria que repassar os preços aos clientes, mas tenho medo do pessoal fugir”. Silva também resolveu dar de cortesia uma fruta – uma maçã ou mexerica – de sobremesa e diariamente escolhe um dos sucos para fazer uma promoção”, afirma.
Antevendo a crise que se instalaria no setor, a franquia Big X Picanha voltada para lanches, que atualmente possui 47 lojas no Brasil, resolveu, após uma pesquisa, criar um prato para a hora do almoço. Cerca de 75% dos consumidores afirmavam preferir comer um prato de comida a um sanduíche nesse horário do dia. “Por isso resolvemos lançar esse prato que varia de 14,90 reais a 22,90. Se bem estamos sentindo queda nas vendas dos lanches, que são uma opção mais voltada para a hora do lazer, não podemos reclamar da saída desse prato”, explica Rita Poli, dona de sete lojas da franquia Big X Picanha.
Atualmente, do total de gastos de uma família com alimentação, 32% são fora do lar, e a projeção é de que este gasto aumente e atinja 40% até 2025, de acordo com a Abrasel. No entanto, para que esse setor, composto por mais de um milhão de empresas no país, continue crescendo será preciso investir na criatividade, o ingrediente principal para enxugar os custos dos proprietários e atrair novamente a freguesia para as mesas e balcões.
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