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Woody Allen: “A única coisa que faz sentido na vida é distrair as pessoas”

O diretor norte-americano apresenta ‘Irrational man’ fora da competição do festival francês

Gregorio Belinchón
Emma Stone, Woody Allen e Parker Posey em Cannes.
Emma Stone, Woody Allen e Parker Posey em Cannes.Tony Barson (FilmMagic)

No próximo dia 1º de dezembro, Allan Stewart Konigsberg, mais conhecido como Woody Allen, fará 80 anos. O cineasta nova-iorquino não parece se importar muito com a mudança de década e assegurou esta manhã em Cannes que não vai mudar de estilo, não abandonará o humor para entrar em análises profundas. “Outros artistas e muita gente em geral tem feito isso, porque a perspectiva muda com a idade. Mas não vai ser meu caso, não vou ficar sério, tipo Bergman. Meu talento está no humor, ninguém me dará dinheiro para rodar dramas. Já fui sério em minha juventude: dei entrevistas chatas e fiz filmes chatos”, contava com seu meio sorriso na apresentação à imprensa de Irrational Man. O protagonista desse filme noir é um professor de filosofia, Abe Lucas (Joaquin Phoenix) carismático e emocionalmente devastado, que sente que nenhuma das atividades a que se dedica (aulas, ativismo político, de ajuda humanitária) faz muita diferença. Nem quando se muda para uma pequena faculdade, onde começa a combinar duas relações: com uma professora – Parker Posey – presa em um casamento frustrante, e com sua aluna mais brilhante – Emma Stone. De repente, ao ouvir uma conversa em um restaurante, Lucas encontra uma motivação, um impulso vital que o transforma de repente, e lhe dá forças… embora esse estímulo o leve ao crime.

Como professor de filosofia, Lucas fala sobre Kant, os existencialistas, Kierkegaard e –obviamente falando de crimes – há uma referência a Hannah Arendt e a “banalidade do mal”. Allen considera que não trouxe nada de novo à filosofia, mas seu cinema é produto dos filósofos que leu. No entanto, refletiu amplamente em Cannes sobre a importância das decisões e das crenças na vida do ser humano. “Não acho que tenha dado espaço à irracionalidade neste filme, mas todos na vida temos de escolher, um fato que normalmente acontece de repente. Se a escolha for correta, tudo bem. Mas meu personagem Lucas se inclina para o irracional. Acho que o ser humano precisa acreditar, daí as religiões”. E aprofundou: “Li Primo Levi, e posteriormente outros sobreviventes de campos de concentração, e me dava conta de que, se tinham saído vivos daquele horror, foi por seu fervoroso comunismo. Tinham uma motivação. Não importa que o comunismo depois se mostrasse como um sistema fracassado. Para eles funcionou, deu-lhes um estímulo. Não importa se a crença é certa ou não, mas tenha alguma, porque tornará sua vida melhor”.

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Não vivemos uma falta de valores maior que a de séculos atrás. Em cada canto do mundo acontecem coisas horríveis, há crise morais. Mas sempre foi assim. Disso se alimentaram o cinema, o teatro – e o grande exemplo é Shakespeare – os romances… As infidelidades, os triângulos amorosos, o crime são sementes da arte

Então, em que acredita Woody Allen? Que sentido tem para ele a vida? “A vida passa, nós estamos acostumados a cavalgar em uma posição ruim… Devemos encará-la de forma positiva. Afinal, não há nenhum significado nem sentido ulterior. Tudo o que foi criado se desvanece. As grandes obras de Shakespeare, Beethoven… puff, desaparecem. Para mim, a única coisa que faz sentido na vida é distrair as pessoas. Quando faço cinema, primeiro distraio a mim mesmo, e depois distraio o público. Durante uma hora e meia se esquecem do mau humor, da morte… É gratificante ver as pessoas rirem com seu trabalho, e no meu caso é ótimo me manter ocupado e não encarar a realidade”. Só nessas respostas o cineasta se mostrou animado. No restante da entrevista coletiva, Allen olhava para o vazio – em algumas ocasiões os jornalistas perguntaram se estava ali, ao que parecia despertar repentinamente – antes de filosofar sobre seu trabalho ou possíveis crises morais no século XXI. “Não, hoje em dia não vivemos uma falta de valores maior que a de séculos atrás. Em cada canto do mundo acontecem coisas horríveis, há crise morais. Mas sempre foi assim. Disso se alimentaram o cinema, o teatro – e o grande exemplo é Shakespeare – os romances… As infidelidades, os triângulos amorosos, o crime são sementes da arte”. E por isso, sem ser muito explícito, defendeu o final de seu filme, um último plano algo ambíguo: “O que a estudante viveu é uma lição de vida, e a vida é ambígua. Com o tempo estou certo de que entenderá a ambivalência porque aos 50 ou 60 anos a perspectiva de vida muda”.

A seu lado, as atrizes Parker Posey e Emma Stone falaram sobre a simplicidade das filmagens de Allen, do prazer que é participar de um deles e de como, em caso de dúvida, o cineasta lhes dizia: “É um filme, não pense tanto”.

Sobre seus próximos projetos, não fez referência nem ao seu próximo trabalho, que será protagonizado por Kristen Stewart, Blake Lively, Jesse Eisenberg e Bruce Willis, nem ao museu sobre sua obra que a produtora Mediapro planeja montar em Barcelona no edifício da antiga Escola de Artes e Ofícios (aliás, em Irrational Man, fala-se da “romântica Espanha”), mas sim sobre sua futura série de televisão para a Amazon: “Estou brigando com isso, e espero não decepcioná-los, mas está sendo uma luta. Uma catástrofe. Eu me meti nessa das seis horas e meia. Estou escrevendo. Ainda não sei o resultado. Me dá vergonha ter aceito…”. E começou a rir. Como uma criança.

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