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Reencontrados na Argentina

Eles foram tomados como botim de guerra, privados de suas identidades e entregues em sua maioria a famílias ligadas ao regime militar que governou a Argentina entre 1976 e 1983. Agora, contam suas histórias desde que descobriram suas origens

Parque da Memória, em Buenos Aires, onde estão os nomes dos 30.000 desaparecidos da ditadura.Mariana Eliano

“Acho que meus pais nunca pensaram que seriam mortos”

Tatiana Sfiligoy acredita que algum dia encontrará os restos dos seus pais. É psicóloga e há dois anos dirige um centro cultural perto do Parque Centenário, em Buenos Aires. Diz que conhecer sua história “repara e cura”. Sorri muito, pinta e vive com seus filhos Irina (14) e Maia (8). Pedro já terá nascido quando esta reportagem for publicada.

Tatiana Sfiligoy tinha três anos e meio quando sua mãe, ao ser perseguida por paramilitares, a abandonou em uma praça com sua irmã de três meses.

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Detalhe do mural dos desaparecidos na Escola Superior de Mecânica da Marinha (ESMA), o centro de detenção e tortura da ditadura militar argentina.Mariana Eliano
Parque da Memória em Buenos Aires.Mariana Eliano

“Disseram-nos que tinham cometido um crime e que seriam presos”

Matías Reggiardo Tolosa não esconde suas marcas. “Se tudo que disseram era mentira, isso afeta a sua visão do mundo: você não acredita em mais ninguém. Eu nunca fui depressivo, mas tive longas temporadas de apatia.” Ele e seu irmão gêmeo, Gonzalo, continuam tendo uma relação muito próxima. “Passamos por tudo isto juntos, mas às vezes é difícil falar, ele é mais introvertido.”

Os pais de Matías Reggiardo Tolosa desapareceram em 1977. Já adolescente, ele descobriu que havia sido entregue a outra família quando bebê.

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“Gosto muito de Juan, apesar do que fez. Porque é um repressor, e por isso está preso”

Até recuperar sua identidade, Victoria Donda viveu acreditando que era dois anos mais nova do que é, porque seus apropriadores a registraram como se tivesse nascido em 1979. “É como ter vivido dois anos em coma, despertar e sentir que esse tempo desapareceu.” Reconhece também as dificuldades para estabelecer vínculos fluidos com sua família de sangue. “Minha avó Leontina vive no Canadá, tem Alzheimer, mas cheguei a conhecê-la.” Com sua irmã, Eva Daniela, as distâncias foram, durante muito tempo, ideológicas. Essa relação está se recompondo. Contatada para esta reportagem, Eva, que foi criada por seu tio, o repressor Adolfo Donda Tigel, preferiu não falar, priorizando sua relação com Viki.

Victoria Analía Donda Pérez, sobrinha do então diretor de inteligência da Escola Superior de Mecânica da Marinha (ESMA), que organizou a entrega da menina.

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A Escola Superior de Mecânica da Marinha (ESMA), um dos principais centros de detenção clandestinos da Argentina.Mariana Eliano