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Clint Eastwood e seu filme ‘Sniper Americano’ sob ataque

Cercado pela polêmica, o diretor estreia uma biografia sobre o 'seal' Chris Kyle

Bradley Cooper e Clint Eastwood, na filmagem de “Sniper Americano”
Bradley Cooper e Clint Eastwood, na filmagem de “Sniper Americano”Everett Collection (Cordon Press)

Com Eastwood chegou o escândalo. Seu último filme, Sniper Americano, que estreia no Brasil em 19 de fevereiro, se converteu no teste de Rorschach de uma indústria que não consegue decidir se o filme é um panfleto patriótico ou um ataque às consequências da guerra. Um reflexo da supremacia branca e machista de Hollywood ou o retrato da vida dos soldados norte-americanos. Concretamente, a de um soldado, Chris Kyle, condecorado com cinco medalhas e outras honrarias por ser o franco-atirador mais mortífero do exército dos EUA com 160 mortes confirmadas em seu currículo. Um herói ou um assassino? “Eu nem sequer o colocaria como um filme de guerra”, afirmou a este jornal Bradley Cooper, seu protagonista. “Fica para o espectador ter sua opinião depois de vê-lo. A arte é subjetiva e pode ser interpretada de muitas formas. Mas o mundo é muito pequeno para que, a esta altura, as pessoas não saibam diferenciar o que é e o que não é propaganda.”

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Enquanto as salas se encheram com um sucesso inesperado para esta produção, de 57 milhões de dólares (146,7 milhões de reais) de orçamento, que em seu primeiro fim de semana arrecadou 101,66 milhões de dólares (261,7 milhões de reais), um dos grandes painéis publicitários do filme no coração de Los Angeles apareceu com a palavra “Assassino” pintada em cima do rosto de Cooper. E sua surpreendente presença na lista de candidatos ao Oscar, com seis inesperadas indicações, inclusive a de melhor filme e de melhor ator para Cooper, chega rodeada de críticas que asseguram que o conservadorismo branco desta obra joga ainda mais sal grosso sobre a ferida aberta pela ausência quase total de concorrentes negros nesta edição dos prêmios. Uma polêmica que chegou às redes sociais com fortes mensagens de Michael Moore e de Seth Rogen: o primeiro chamou de “covardes” os franco-atiradores e o segundo comparou o filme àquela propaganda nazista que aparece no final de Bastardos Inglórios. Ambos tiveram que pedir desculpas (suas palavras foram tiradas de contexto, afirmaram) enquanto que a ex-candidata republicana à vice-presidência, Sarah Palin, apoiou o filme com um “Deus defenda as tropas”.

Eastwood, que ainda é lembrado por seus ataques a Obama na última convenção republicana, prefere acalmar o debate lembrando que um herói é alguém que está “aí quando é necessário”. No caso de Kyle, o diretor lembra que o soldado serviu a seu país “embora tenha duvidado se estava fazendo o que era correto”. “Mas quis fazer um filme sobre um homem e não sobre uma guerra”, acrescentou Eastwood sobre um conflito, o do Iraque, com o qual nunca esteve de acordo. O filme baseia-se na autobiografia de Kyle, editada no Brasil pela Intrínseca. Cooper não se posiciona: “Qualquer veterano, de qualquer guerra, de qualquer país pode sentir uma ligação com o filme.” Kyle foi assassinado nos Estados Unidos em 2013 por um ex-marine.

A julgar pelo sucesso, suas palavras foram proféticas. Surpreende mais, dado o fracasso de outras tentativas de levar essa guerra para as telas. Sniper Americano foi indicado nas categorias em que esperava-se a indicação de Selma, filme que fala sobre um dos maiores protestos pelas liberdades civis de Martin Luther King e dirigido pela afro-americana Ava DuVernay. Fala-se de racismo em uma Academia na qual 93% de seus membros são brancos; 76%, homens, e a idade média supera os 63 anos.

Como disse Ellen DeGeneres há um ano, o Oscar só podia acabar ou com a vitória de 12 Anos de Escravidão ou “todos somos racistas”. Apenas 12 meses depois, a polêmica nasce porque os 20 candidatos das categorias interpretativas são brancos, algo que não ocorria desde 1998. Na Internet começaram a circular fotografias de negros que receberam o prêmio com cartazes que descreviam os papéis que representaram, em sua maioria “escravos” ou “criadas”. Como assegura a revista Variety, já que 14% da população norte-americana é negra, se o cinema refletisse a sociedade, dos 323 filmes competindo, 45 teriam que ter sido negros. Por outro lado, 13% deveriam ser filmes sobre hispânicos. Como lembra a própria publicação, exigir seu lugar entre os candidatos em função de sua raça é um insulto para os que estão selecionados, embora sirva como ponto para a reflexão e para sonhar com uma indústria que desse mais oportunidade à diversidade.

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