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Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Que fale o Rei

A Infanta não pode continuar na linha sucessória depois de ser processada por dois delitos fiscais

O juiz José Castro emitiu ontem o esperado auto de abertura de julgamento oral pelo caso Noós e confirmou a acusação à infanta Cristina por considerar que é cooperadora necessária em delitos fiscais cometidos por seu marido, Iñaki Urdangarin, nos anos de 2007 e 2008. Além disso, o documento determina uma fiança de 2,69 milhões de euros (cerca de 8,76 milhões de reais) de responsabilidade pecuniária para a Infanta. O auto acrescenta que, em caso de não ser confirmado o delito de cooperação necessária, a irmã do rei Felipe VI seria culpada de ser partícipe a título lucrativo do enriquecimento de seu marido.

À margem de precisões ou debates de tipo jurídico -legítimos, ao tratar-se de um processo discutível por delito fiscal sem que seja mediado por acusação da promotoria e nem da advocacia do Estado- o auto do juiz de instrução de Palma da Mallorca deve calar a boca dos agoureiros que anunciavam a anulação da causa para a infanta Cristina por pressões das instituições do Estado. Dona Cristina está na mesma lista que os outros 16 acusados no caso Noós, sem importar sua condição sexta na linha de sucessão à Coroa da Espanha.

Cumpre-se assim a palavra do rei Juan Carlos em seu discurso do Natal de 2011. Naquele discurso o Rei afirmou taxativamente: “Vivemos em um Estado de direito e qualquer atuação censurável deverá ser julgada e sancionada nos termos da lei”. E acrescentou: “A justiça é igual para todos”. Certamente dom Juan Carlos não imaginava então que sua própria filha acabaria sentando no banco dos réus. Mas, sem sabê-lo, aceitou que a Casa do Rei afastasse o casal Urdangarin-Borbón de todas as atividades oficiais e tentou em várias ocasiões, por meio de terceiros, que dona Cristina tomasse uma das duas decisões que ajudariam a poupar a Coroa do escândalo: que se divorciasse de Iñaki Urdangarin ou que renunciasse a seus direitos dinásticos.

Na Zarzuela tinha-se muito claro que era a melhor solução para a Monarquia espanhola e para a própria Infanta, que, ao se separar do marido ou da Coroa, deixaria de estar no centro do foco midiático e judicial. Dona Cristina se negou várias vezes a tomar uma decisão, por considerar que supunha uma aceitação implícita de culpa. Nas últimas semanas, à medida que foram sendo vencidas as etapas para que o juiz Castro sentasse a infanta Cristina no banco dos réus, aumentavam as vozes de diversas instâncias políticas e institucionais e dos principais meios de comunicação (EL PAÍS o fez em duas ocasiões), pedindo a dona Cristina que tivesse o gesto de renunciar aos seus direitos de sucessão. Coisa que não aconteceu. Nas atuais circunstâncias, não resta outra saída além da renúncia imediata, se não quiser continuar causando um dano irreparável à instituição.

E não só isso. Os espanhóis estão esperando ouvir da boca do Rei uma declaração firme sobre a necessária regeneração democrática, inclusive uma explicação sobre a acusação contra sua irmã. Dom Felipe fez um esforço enorme de renovação e modernização da instituição monárquica em seus seis primeiros meses de reinado, com medidas de austeridade, exemplaridade e transparência da família real e da Casa do Rei, essenciais para a sobrevivência da instituição e para sua aceitação pelos cidadãos. Essas medidas foram reconhecidas com um grau notável de aceitação popular nas pesquisas.

O Rei se mostrou um homem de princípios. Por isso, o que não deve fazer é evitar o assunto, limitando-se a aceitar respeitosamente, por meio de um porta-voz, as decisões e a independência do poder judiciário. É verdade que, constitucionalmente, só corresponde à Infanta a decisão de renunciar aos seus direitos. Mas não é menos verdade que Felipe VI tem de enviar uma mensagem aos cidadãos, como fez seu pai há três anos. E a mensagem tem de ser esta: que os princípios que ele proclama devem se aplicar também a sua irmã, embora já não pertença à família real.

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