Acusadas 377 pessoas por graves violações durante a ditadura
A Comissão da Verdade aponta os responsáveis pelos crimes cometidos nos anos regime militar, dos quais metade estão vivos
– Esse da foto é o Nestor Vera. Ele o senhor matou pessoalmente?
– Ele, vamos dizer, já estava morto. Sofrendo. Não estou querendo falar que sou santinho, não. Mas foi um tiro de misericórdia.
O diálogo entre os integrantes da Comissão Nacional da Verdade e Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, abre o capítulo 16 do relatório da Comissão Nacional da Verdade, que nomeia os autores das graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar. Vera foi um líder camponês, preso em abril de 1975, quando passava na frente de uma drogaria, em Belo Horizonte. Era um desaparecido, até dois anos atrás, quando Guerra revelou os detalhes da sua execução por ter sido um líder das Ligas Camponesas que defendiam a reforma agrária. Guerra, de 76 anos, é de um dos personagens vivos, entre os 377 nomes responsabilizados no relatório entregue hoje à presidenta Dilma Rousseff, pelos crimes do regime militar.
Alguns, por estarem no comando das operações. Outros, por terem participado diretamente das mortes ou ‘queima de arquivo’, como Claudio Guerra. Dos membros do exército que deram ou executaram ordens para torturar ou matar, passando por médicos legistas que falsificaram laudos para alterar as causas de morte dos que iam contra o regime, até um diplomata que forneceu para a ditadura militar chilena dados sobre brasileiros que estariam no país vizinho.
Personagens como Guerra, em nada lembrariam um assassino. Em seu segundo depoimento à Comissão, em julho deste ano, com uma voz suave e um pouco tremida, o ex-agente do DOPS mostrou-se solícito com seus entrevistadores, abrindo os detalhes assombrosos da sua atividade, que consistia em “perseguir e matar bandidos”, quando solicitado. Suas palavras podem ser conferidas na página da CNV, que reúne em vídeos os depoimentos colhidos, na íntegra, nos últimos três anos.
O agente da ditadura foi um dos poucos que apareceu espontaneamente para reconhecer seus erros e “pecados” durante o período do governo militar, que deixou, pelo menos, 434 mortos e desaparecidos. Nas cenas do depoimento, sua fisionomia transmite um semblante doce. Até ouvir da sua boca, as barbaridades a que está atrelado. “Eu tirei tantas vidas...”, diz ele, em determinado momento.
Guerra foi responsável, por exemplo, por recolher o corpo de 12 militantes mortos pelo regime militar em centros de tortura, como a Casa da Morte, de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e levá-los para serem incinerados na Usina de açúcar Cambahíba, na cidade de Campos de Goytacazes, também no Rio. “Levei no meu carro, no porta mala do meu chevete, o corpo de Ana Kucinski e do marido dela [Wilson Silva]”, contou. Professora universitária, Kucinski era integrante, junto com seu parceiro, da Ação Libertadora Nacional (ALN), um movimento revolucionário, identificado com a doutrina comunista, que era contra a ditadura. Participou de ações ousadas, como o sequestro de um embaixador norte-americano (com o movimento MR8), em 1969, e o sequestro do embaixador alemão (com a VPR), em 1970.
O casal foi detido em abril de 1974, e até pouco tempo, sua família também convivia com o fantasma dos “desaparecidos da ditadura”. O conhecimento dos detalhes de sua execução, podem ter trazido alívio a uma busca desesperada por tantos anos. Mas, também traz muita dor ao saber do que eram capazes os nomes que participaram da política de execuções. Em uma visita à usina Cambahíba junto com um integrante da Comissão, Guerra mostra onde exatamente os corpos de Kucinski e o marido foram incinerados. “A mulher estava muito torturada, com sinais de que havia sido violentada, com mordidas no mamilo”, lembra ele.
Entre os 377 acusados, todos homens, estão os ex-presidentes militares já mortos, como Castello Branco, que exerceu poder entre 1964 e 1967, Costa e Silva (1967-1969), Garrastazu Médici (1969 a 1974) ou carrascos conhecidos, como o delegado Sérgio Fleury. Desse total, no entanto, constam pelo menos 190 nomes que ainda estão vivos. Para a CNV, há três tipos de responsabilidade: política-institucional, onde estão os chefes de Estado militares, pelo controle de estrutura e pela gestão de procedimentos, e responsabilidade pela autoria direta. Entre os que estão vivos, a maioria estão inscritos nas duas últimas categorias. Todos protegidos, em todo caso, pela Lei da Anistia, que a Comissão sugere que seja suspensa para que os crimes não prescrevam.
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